Valor Econômico, n. 5202, v.21, 06/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

 

Volta do emprego fica mais distante e deve abalar renda

 

Especialistas têm dúvidas sobre vacinação, impactos de novo auxílio e respeito ao “lockdown”

Por Anais Fernandes — De São Paulo

 

 

Ritmo lento de vacinação e recrudescimento da pandemia, com novas restrições para a circulação de pessoas e para o funcionamento de estabelecimento comerciais e de serviços, trazem viés negativo ao mercado de trabalho brasileiro, principalmente no primeiro semestre, apontam economistas. Além disso, há muitas dúvidas sobre como as pessoas vão reagir de fato ao “lockdown” e ao pagamento de um auxílio emergencial bem mais enxuto.

 

A população ocupada vinha se recuperando lentamente no segundo semestre de 2020, contida, sobretudo, pelos informais, observa Gustavo Ribeiro, economista-chefe do ASA Investments. Com o fim de estímulos do governo no início de 2021 - não só o auxílio, mas ainda programas para empresas manterem empregos, como o BEm - já era esperada uma deterioração ou, ao menos, “pausa” nesse processo, diz Ribeiro. A expectativa, porém, era que a recuperação voltasse no segundo trimestre, ficando visível no fim do ano.

 

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, a população ocupada somava 86,2 milhões de pessoas no último trimestre de 2020. O nível pré-covid era de 95 milhões, e o ASA previa se aproximar de 91 milhões em 2021. “Estamos cerca de 10 milhões abaixo do que era antes da pandemia. Via capacidade de recuperar metade disso até o fim do ano. Provavelmente, a projeção será revista. Ela parece otimista agora, com mais medidas de ‘lockdown’”, afirma Ribeiro.

Movimentos de “abre e fecha” da economia já estavam no horizonte do ASA, pelo menos até meados do ano, quando a população de maior risco estaria vacinada. A situação, porém, mostra-se pior do que a equipe imaginava, e a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, de -0,3% em relação aos três meses anteriores, pode se aproximar de -0,5%, segundo Ribeiro. Para o primeiro trimestre, já é esperada contração de 0,8%.

 

“Acho que não serão só duas semanas em março [de atividades fechadas, como no Estado de São Paulo]. Isso é o mínimo para pegar a incubação do vírus e começar a olhar dados de hospitalização. Um cenário mínimo parece ser março todo fechado”, diz Ribeiro, sem descarta medidas ainda em abril.

 

O cenário-base do ASA é que o grupo de risco esteja vacinado com a primeira dose apenas a partir da segunda quinzena de junho. “Muito dificilmente enxergamos reabertura da economia antes disso e o viés é que o processo seja até mais demorado”, afirma o economista-chefe, citando entraves na entrega de vacinas da AstraZeneca e a circulação de novas cepas, que podem estar atingindo os jovens de forma mais significativa. “Isso coloca em dúvida a capacidade de a economia reabrir apenas com a vacinação dos grupos de risco."

 

A LCA Consultores ainda mantém a premissa de recuperação parcial - 6,9%, na média do ano - da população ocupada em 2021, considerando que, com uma herança estatística melhor de 2020, o PIB deste ano foi mantido em 3,2%. A chance de concretização do cenário adverso da casa, porém, que contempla piora “muito grave” da pandemia e “lockdowns” mais longos, “tem aumentado”, observa o economista Cosmo Donato.

 

“Na questão do emprego, o cenário de recuperação no primeiro semestre está sujeito a piora, principalmente por causa do informal”, diz ele. O trabalhador informal que conseguiu retornar ao mercado, ainda que de forma precária, pode ser obrigado a parar novamente, não só pelas regras de restrição, mas também pela queda na demanda com a menor circulação de pessoas, aponta Donato.

 

Para ele, mesmo o trabalhador formal pode estar, dessa vez, mais exposto. “O informal pode acabar burlando as restrições, mas o dono da empresa com funcionário registrado é obrigado a fechar.” Além disso, em 2020, o emprego formal foi sustentado, em boa medida, pelo programa de redução de jornada/salário e suspensão de contratos, lembra Donato. O governo sinalizou nova rodada para 2021, mas não há garantias.

 

As dinâmicas de um novo auxílio também geram dúvida para a medição do emprego. “Foi um fator que permitiu a muitas pessoas ficar em casa e fora da força de trabalho, o que ajuda a explicar o comportamento do desemprego no ano passado. Sem esse instrumento ou com um valor menor, as pessoas podem burlar as restrições e sair para procurar trabalho? Ou vão ter medo do vírus, ficar em casa e depender da poupança ou de doações?”, questiona Tiago Barreira, pesquisador do iDados. Para 2021, ele previa pico de 16,2% da taxa de desemprego no trimestre até março, mas diz que o grau de incerteza do cenário aumentou.

 

A esperada piora no mercado de trabalho deve ter reflexo também nas perspectivas para a renda - e, assim, para o consumo das famílias. O ASA vê recuo, neste ano, de 5,5% na massa ampliada (inclui benefícios, além de salários). Considerando que cerca de metade da poupança acumulada em 2020 pode ser usada agora, a queda reduz para 2,3%. Mas o viés desse número está pior, segundo Ribeiro. “Além do fechamento parcial das economias, tem o 'efeito medo': uma deterioração do mercado de trabalho e a insegurança sobre o futuro podem fazer as pessoas voltarem ao perfil mais poupador.”