Valor Econômico, n. 5202, v.21, 06/03/2021. Brasil, p.A7

 

 

 

 

Economia desacelera com falta de vacina

 

Economistas preveem recessão técnica como consequência da gestão do governo Bolsonaro em relação à pandemia

Por Alex Ribeiro — De São Paulo

 

 

A gestão inadequada da pandemia do coronavírus deverá provocar a desaceleração da economia brasileira, com riscos de o país caminhar para uma recessão técnica, num momento em que o governo e o Banco Central estão sem espaço para medidas de estímulo fiscal e monetário.

 

“Não podemos chorar sobre o leite derramado, mas o governo cometeu um erro gigantesco quando ignorou a pandemia”, afirma o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. “Todos os países do mundo compraram opção para vacina, se prepararam para ter uma vacinação rápida. Não fizemos nada à altura.”

 

“Se não tem a vacinação, você pode dar o estímulo que quiser que a economia não se recupera”, segue Pastore. A visão é compartilhada por outros economistas ouvidos pelo Valor. “A economia e a saúde andam juntas, não teremos a recuperação da economia sem o fim da pandemia”, afirma outro ex-presidente do BC, Armínio Fraga. “Minha impressão é que o Executivo ficou com uma visão contrária a essa até agora.”

 

“A conta de não tratar com mais seriedade a pandemia está chegando”, afirma Arminio. “Estou vendo este ano com muita preocupação. O que virá pela frente, ninguém sabe.”

 

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES, considera provável uma nova recessão. “O Brasil é um ponto fora da curva, porque, com Bolsonaro na presidência, perdemos a oportunidade de estar com as vacina compradas”, afirma. “É justamente pelo número de mortes que nossa recuperação econômica vai ser pior, e nosso sofrimento, maior.”

 

O desempenho da economia no ano passado, afirma Arminio, foi muito melhor do que muitos esperavam devido “ao uso bastante agressivo de esteroides”, ou seja, política fiscal, monetária e creditícia expansionistas.

 

Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, já se esperava uma perda de fôlego nesse começo do ano, mas a economia poderia seguir adiante se a pandemia se arrefecesse ou com a vacinação em massa - ainda que com pouco brilho, devido à baixa confiança provocada pelo estilo pessoal do presidente Bolsonaro, pela agenda de costumes controversa e pela falta de solução para o desequilíbrio fiscal e de questões que travam a expansão dos investimentos e produtividade.

 

“Passado o efeito dos esteroides, a gente volta à realidade”, afirma Arminio. Faltou o governo fazer campanhas para informar a população dos riscos de natureza sanitária. “Fizeram o contrário.” Outro erro foi concentrar as apostas na compra de vacinas de poucos fornecedores e se atrasar quando surgiram janelas de oportunidade de novas aquisições.

 

Para Arminio, embora seja muito difícil prever o que vai acontecer no curto prazo, “gente que entende bem mais do que eu de conjuntura acha que o Brasil pode ter uma recessão técnica nesse primeiro semestre”. Ou seja, dois trimestres seguidos com variações negativas do Produto Interno Bruto (PIB).

 

“Estamos vendo uma corrida entre a intensidade e a velocidade”, diz Pastore. “De uma lado, temos a vacinação e, de outro, o contágio. O contágio está ganhando da vacinação.”

 

Ele diz que os relatos que colhe de epidemiologistas mostram um quadro “muito feio”. “As pessoas que puderem vão para o isolamento social, independentemente dos governos [decretarem lockdowns].” Esse distanciamento social se reflete em indicadores de alta frequência.

 

O economista diz que muitos de seus colegas estão menos pessimistas porque a produção industrial segue forte. Mas, lembra ele, 65% do PIB é formado por serviços, que são afetados pelo afastamento social. As condições financeiras, por outro lado, tornaram-se mais apertadas.

 

“A inclinação da curva de juros e a taxa de câmbio dão uma mensagem de risco muito alto e que cresceu nos últimos tempos.”. Mesmo com o encaminhamento da PEC Emergencial, que preserva o teto de gastos, apesar de um crédito suplementar de R$ 44 bilhões para pagar o auxílio emergencial, segue em aberto como será feita a consolidação fiscal nos próximos anos. “Não teve reforma, não teve nada.”

 

Pastore foi conferir o que a alta da incerteza econômica significa para a economia quando se usa um modelo de projeção que replica o do Banco Central, que foi divulgado recentemente. “Com o índice de incerteza alto, mais a pandemia, eu acho que desacelera a economia”, diz. “Não quero dizer que vai ter uma recessão porque depende do segundo trimestre, de quanto tempo leva tudo isso.”

 

Para Mendonça de Barros, a piora das condições financeiras é uma realidade. “O capital estrangeiro está incomodado por razões objetivas e subjetivas, como a interferência na Petrobras”, diz. “Acho que o dólar vai a R$ 6,00”.

 

Em meio a esse quadro negativo para a atividade econômica, ele faz duas ponderações do lado positivo. Uma é que, depois de um ano, houve maior aprendizado no mundo sobre como lidar com a pandemia. “Outra vantagem é que uma taxa de câmbio ultradesvalorizada por fuga de capitais favorece a indústria.”

 

Os economistas dizem que é adequado o pagamento do auxílio emergencial, e Pastore e Arminio dizem que não haveria problema de gastar um pouco mais agora caso o país lidasse com as suas fragilidades fiscais. “As pessoas não têm uma pedra no meio do peito, tem um coração, e um cérebro entre as orelhas”, diz Pastore. Para Mendonça de Barros, será preciso assistir o setor de serviços, que sofrerá muito.

 

O espaço para novos estímulos é virtualmente inexistente. “Os remédios cíclicos já foram acionados”, diz Arminio. “O Brasil tem déficits primários desde 2014. O Banco Central já colocou a taxa de juros lá embaixo, mas já chegou ao limite, agora vai ter até que reverter.” Como a munição foi gasta, o remédio que resta é cuidar das reformas de médio prazo - há dois anos Armínio vem propondo vocalmente uma agenda ampla.

 

Pastore diz que, dado o quadro inflacionário mais geral, o BC deve iniciar um ciclo de alta de juros “para mostrar que está comprometido com a meta de inflação e não repetir o erro cometido em 2011, quando desancorou as expectativas e custou caro em termos de perda de produto”.

 

Mas ele vê com preocupação pressões do mercado para alta forte e acelerada. “Se for para subir os juros para baixar o câmbio, acho um erro, vai impor uma desaceleração adicional da economia”, afirma. “Se tem que começar a subir, vai devagar, deixando contingente aos dados.”

 

Já Mendonça de Barros acha equivocado, neste momento, o governo focar os esforços em grandes reformas, como foi feito com a tentativa de desvinculação de gastos de saúde e educação. Para ele, a PEC Emergencial foi longe do ideal, mas pelo menos se evitou o pior, como tirar o Bolsa Família do teto de gastos para abrir espaço a outras despesas sem critérios. “Temos que olhar agora para a sobrevivência”, afirma. “Se sobrevivermos, depois vamos tratar do desequilíbrio da dívida pública.”