Valor Econômico, n. 5203, 09/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

 

Restrição na Índia e falha de maquinário atrasam obtenção de imunizantes

 

Brasil terá entre 25 milhões e 28 milhões de doses até o fim do mês; governo usará crítica da OMS para conseguir antecipação de vacinas

Por Gabriel Vasconcelos e Fabio Murakawa — Do Rio e de Brasília

 

 

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, revisou para baixo, e pela terceira vez, o número de vacinas contra a covid-19 que o Brasil terá no mês de março. Pazuello disse ontem que o país terá entre 25 milhões e 28 milhões de doses até o fim do mês. A previsão do Ministério da Saúde para o mês já chegou a ser de 46 milhões de unidades.

 

Um das razões, disse o ministro, são novas dificuldades impostas pelo governo da Índia para a liberação de unidades prontas da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, mas produzidas pelo Instituto Serum naquele país. Pazuello se reuniu ontem com o governador do Piauí, Wellington Dias (PT) - que representa o Fórum de Governadores -, e com a diretoria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na sede da instituição, no Rio de Janeiro, para discutir o impasse.

 

Dias ouviu de Pazuello e da diretoria da Fiocruz que, para atenuar o problema, o Ministério da Saúde acertou o recebimento de 9 milhões de doses da mesma vacina, mas produzida na Coreia do Sul. As doses, informou Pazuello, virão por meio do consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e chegarão em dois lotes escalonados: um primeiro com 2,9 milhões de doses em março e outro de 6,1 milhões em abril.

 

Para conseguir a antecipação no recebimento das vacinas, o governo usará uma crítica da OMS, que disse que a situação da pandemia no Brasil é uma ameaça para a América Latina e o mundo. O argumento será usado hoje em uma reunião entre Pazuello e representantes do Covax Facility. A afirmação de que a situação no Brasil é uma ameaça foi feita na semana passada pelo diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom.

 

À tarde, em Brasília, Dias disse que na reunião será pedido que as 9,1 milhões de doses programadas para maio sejam antecipadas para entrega em dois lotes de 4,5 milhões de doses em março e abril.

 

Segundo Pazuello, paralelamente, governo e Fiocruz articulam com a AstraZeneca a importação de um lote com 10 milhões de vacinas estocadas nos Estados Unidos. Atrapalha essa negociação o fato de o governo americano também ter proibido a exportação de vacinas contra covid-19.

 

Em fevereiro, como compensação ao atraso do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) que deveria ter sido entregue ao Brasil no início do ano, a AstraZeneca tinha se comprometido, em contrato, a fornecer ao Brasil um total de 12 milhões de vacinas prontas vindas da Índia. Mas só 4 milhões chegaram ao país. As 8 milhões de doses restantes teriam sido retidas por decisão do governo indiano.

 

“A Índia dificultou o processo porque proibiu a exportação. Vamos ter que fazer pressão política, diplomática e até pessoal nossa para que a AstraZeneca cobre do Instituto Serum, para que ele cumpra a entrega dps 8 milhões que faltam. Os países no mundo estão variando com suas posições diplomáticas e posições comerciais porque o ‘troço’, ele realmente é instável”, disse o ministro.

 

Para o mês, além das novas vacinas prontas, o Ministério da Saúde conta com 23,3 milhões de doses da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, e outras 3,8 milhões de doses também de Oxford, mas produzidas localmente pela Fiocruz com IFA importado. Antes, eram previstas 15 milhões de doses dessa última modalidade no mês de março. Mas, além dos atrasos no recebimento do IFA vindo da China, também houve retardo na linha de produção devido a uma falha técnica.

 

O problema, revelado pelo jornal “O Globo” e só depois confirmado pela Fiocruz, foi solucionado na semana passada e 1,5 milhão das 3,8 milhões de doses a serem produzidas no Rio já está em estoque. Essas vacinas aguardam validação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a linha de produção ainda precisa receber registro definitivo. O diretor da fábrica de Bio-Manguinhos, Mauricio Zuma, disse que a Fiocruz é capaz de produzir entre 250 mil e 300 mil vacinas por dia, número que deve chegar a 1 milhão até o fim do mês.