Valor Econômico, n. 5203, v.21, 09/03/2021. Política, p.A12

 

 

 

Fachin anula condenações contra Lula

 

Decisão de transferir processos de Curitiba para Brasília restabelece a elegibilidade de ex-presidente

Por Isadora Peron — De Brasília

 

 

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a anulação de todas as decisões tomadas pela Justiça Federal do Paraná nas ações penais abertas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato. Como consequência, foram invalidadas as condenações impostas ao petista, o que faz com que ele não possa mais ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e abre caminho para uma eventual candidatura em 2022.

 

O entendimento de Fachin foi que a 13ª Vara Federal em Curitiba, da qual o ex-juiz Sergio Moro era titular, não teria competência para julgar o ex-presidente. O ministro ordenou que os casos sejam enviados à Justiça Federal do Distrito Federal.

 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) já anunciou que vai recorrer. A tendência é que caso seja discutido pelo plenário. Hoje, o sentimento na Corte é que a maioria dos ministros vai referendar a anulação das condenações de Lula. Fachin deve receber apoio até da ala mais “lavajatista”, numa tentativa de preservar o legado da operação.

 

A decisão de Fachin foi tomada em um habeas corpus formulado pela defesa de Lula em novembro do ano passado e tem impacto em quatro processos: o do triplex no Guarujá, do sítio de Atibaia, além de duas ações envolvendo o Instituto Lula.

 

Em nota, o gabinete do ministro afirmou que ele tomou a decisão porque o Supremo restringiu o alcance da competência da 13ª Vara Federal. No caso de Lula, verificou-se que os supostos atos ilícitos não diziam respeito exclusivamente à Petrobras, mas também a outros órgãos da administração pública.

 

Fachin então aponta que, como a Segunda Turma do STF tem decidido enviar os casos de outros agentes políticos à Justiça Federal de Brasília, o mesmo entendimento deveria ser aplicado ao caso do petista.

Em sua decisão, o ministro declarou ainda a “perda do objeto” e extinguiu 14 recursos apresentados pela defesa de Lula, entre eles o que questionava a imparcialidade de Moro nos casos envolvendo o ex-presidente.

 

No STF, a avaliação é que Fachin tomou essa decisão para proteger a Lava-Jato, já que uma eventual suspeição de Moro colocaria em xeque todas as condenações impostas pelo ex-juiz.

 

Nos bastidores, a expectativa era que o ministro Gilmar Mendes levasse em mesa hoje, na Segunda Turma, o recurso sobre o caso. A movimentação teria feito com que Fachin antecipasse a sua decisão sobre quem seria competente para julgar Lula.

 

Durante a manhã, o relator da Lava-Jato comunicou a um ministro próximo que tomaria uma decisão “extrema”, mas não adiantou qual seria.

 

Em seu despacho, Fachin deixou claro que a anulação era motivada por questões processuais, e não tinha ligação com as provas colhidas pela operação.

 

Com isso, todo material levantado ao longo dos anos que aponta eventual cometimento de crimes pelo petista deve ser preservado e pode ser levado em consideração pelo juiz que assumir o caso.

 

Nos últimos tempos, a Lava-Jato vem sofrendo uma série de derrotas no STF, especialmente após a chegada de Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, à Segunda Turma. O novo ministro tem se alinhado a Gilmar e Ricardo Lewandowski. No julgamento sobre Moro, a expectativa era que os três formassem maioria para declarar Moro suspeito.

 

Caso isso acontecesse, Gilmar poderia vir a ser o relator do acórdão, porque teria dado o voto vencedor sobre o caso. Essa possibilidade abriria uma brecha para que novos recursos sobre a operação fossem direcionadas a ele, e não ao relator original da Lava-Jato, que é Fachin.

 

Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello disse esperar que o caso seja discutido pelo plenário. devido à sua “importância e envergadura”. Para ele, a “leitura que a sociedade faz é péssima, porque se volta à estaca zero”. O ministro também disse não ver com bons olhos as críticas a Moro. “Essa toada para desqualificar uma pessoa que foi um grande juiz... Ele não pode simplesmente ser execrado”, disse.

 

Já o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, durante uma “live”, que a Lava-Jato cometeu erros e que “esses erros se concentraram em uma pessoa”. Ele, então, citou episódios envolvendo Lula, como a decisão de Moro de retirar o sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição, em 2018.

 

O ministro, no entanto, defendeu que a operação é um “símbolo” para o país. “Eu não acho que tenha sido tudo errado e vejo com grande preocupação a destruição de tudo, o que não significa que não se possa reformar uma decisão aqui ou lá.” As declarações ocorreram antes de o despacho de Fachin vir a público.

 

 

 

__________________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

 

Lula recupera direitos e Bolsonaro, a chance de ressuscitar o antipetismo

 

A contenda entre Bolsonaro, Lula e Moro pode acabar nas urnas, de onde, na verdade, nunca deveria ter saído

Por Maria Cristina Fernandes — São Paulo

 

O ministro Edson Fachin atirou no que viu e acertou no que não viu. Na tentativa de salvar o ex-juiz Sergio Moro de uma suspeição, devolveu ao presidente da República, num momento em que até Luciano Hang passou a criticá-lo, o mote do antipetismo. É bem verdade que se trata de uma bandeira rota. A julgar pelos crimes acumulados por Jair Bolsonaro na pandemia, os favores impróprios prestados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecem, pela pesquisa Ipec que lhe dá o maior potencial de voto em 2022, pecados menores.

 

A decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de recorrer da decisão de Fachin de anular as condenações impostas a Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba sugere contrariedade de Bolsonaro com a decisão. A elegibilidade do Lula, porém, oferece ao presidente, de imediato, uma oportunidade para desviar o foco de sua responsabilidade na pandemia. Agora terá parceria para dividir a queda do Ibovespa.

 

Fachin entregou os anéis (a anulação dos processos), na tentativa de não perder os dedos (o enterro definitivo do lavajatismo), mas corre o risco de implodir toda a mão. A decisão, além de ter conflagrado a Corte, não levou o ministro Gilmar Mendes a desistir da suspeição de Moro.

 

O tuíte do presidente da Câmara, Arthur Lira (“Minha maior dúvida é se a decisão monocrática foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer. Moro, jamais!”) e a nota da defesa do presidente (“[a decisão] não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da Lava-Jato ao ex-presidente Lula, ao sistema de justiça e ao estado democrático de direito”) se mostram em sintonia com a decisão de Gilmar de prosseguir com a suspeição.

 

Se a ideia era dividir os ministros da brigada anti-Moro, a investida de Fachin tampouco parece ter sido bem sucedida. O alinhamento da defesa de Lula na suspeição sugere que a unidade Gilmar Mendes-Dias Toffoli-Ricardo Lewandowski está preservada.

 

A depender de como a suspeição possa vir a ser acatada, a decisão pode ou não afetar o prosseguimento das ações contra Lula na primeira instância do Distrito Federal. A decisão de Fachin questionou a competência de Curitiba, mas contornou o mérito das acusações. O ex-presidente, porém, será beneficiado não apenas por ter recuperado a elegibilidade como pelos prazos de prescrição.

 

O último capítulo da novela, a inelegibilidade de Moro, é que não será pule de dez. A retirada do ex-juiz do jogo eleitoral interessa a todos. A Bolsonaro, que não quer a crônica de seus malfeitos exposta por quem a viu de dentro do governo; a Lula, que pode enfrentar um porta-voz do antipetismo mais eficiente que o presidente; e aos ministros do STF, que correm o risco de ter a imagem da Corte exposta ao escrutínio popular.

 

Esta dificuldade, porém, não pode ser debitada na conta de Fachin, mas dos próprios autores do desmonte em curso da legislação anticorrupção. Paradoxalmente, Moro correria mais risco se o pacote anticrime que enviou ao Congresso em 2019 tivesse sido aprovado na íntegra. Como foi desfigurado, pelos mesmos personagens que hoje o alvejam, o ex-juiz pode vir a ser o beneficiário. A contenda findaria nas urnas, de onde, na verdade, nunca deveria ter saído.

 

 

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

 

Duelo de rejeições deve ser a tônica da disputa no 2º turno de 2022

 

Isolamento aproximará o petista de sua primeira candidatura presidencial

Por César Felício — De São Paulo

 

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na 13ª Vara Federal recoloca o petista na vida pública, deve levá-lo à sexta candidatura presidencial em 2022 e, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro.

 

Ficaria desde já praticamente definido o segundo turno da eleição. Lula, com alta rejeição, concorrendo virtualmente sem alianças. Bolsonaro, com alta rejeição e a sustentação do Centrão, por conveniência política, e do mercado, por exclusão. Nestas circunstâncias - a da eleição se converter em um duelo de rejeições - Bolsonaro tem mais margem de manobra, por contar com todo o instrumental disponível a um presidente candidato à reeleição.

 

A carreira política de Lula é tão longa que o ex-presidente já encarnou vários papéis. Ele já foi o artífice do aliancismo, em 2002 e 2006, quando se compôs com setores do empresariado e da política tradicional.. Já teve uma aliança limitada à esquerda, em 1998, quando Leonel Brizola se rendeu a ser vice em sua chapa. Caprichou na veia messiânica em 1994, em caravanas denunciando a miséria e a fome, antes de ser atropelado pelo Plano Real e por Fernando Henrique como a solução de todos os males do país. E viveu a fase radical em 1989, na sua primeira tentativa.

 

O Lula de 2022 tende a ser mais parecido com o do início da sua caminhada. Não pelo radicalismo, mas pela tendência ao isolamento. É uma candidatura em primeiro lugar de resgate histórico, de fazer prevalecer a narrativa que o país foi vítima de golpes entre 2016 e 2018 para alijá-lo da cena político.

 

Dele pode se repetir em parte o que Talleyrand falou a respeito de Luis XVIII, o Bourbon restaurado no trono da França após a queda de Napoleão Bonaparte: nada esqueceu e nada aprendeu. Que nada esqueceu é o que tudo indica. O ex-presidente, pelas suas colocações desde que saiu da prisão, parece mais disposto a promover um ajuste de contas do que promover uma conciliação nacional. Nada aprender, no sentido dado por Tallleyrand, é repetir as mesmas práticas que levaram à sua derrocada. Isso o tempo ainda dirá.

 

 

_________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

Decisão abre espaço para anulação em massa da Lava-Jato, dizem advogados

 

Matéria ainda pode ser avaliada por Turma ou Plenário de Corte

Por André Guilherme Vieira — De São Paulo

 

 

Delações premiadas e outros processos relacionados à Lava-Jato, além daqueles envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estão sob risco de anulação, conforme entendimento de advogados entrevistados pelo Valor, que acreditam, ainda, que a discussão sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro não se encerrou.

 

Ontem, o relator da operação no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, tornou nulas as condenações impostas ao ex-presidente pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, - juízo ocupado pelo ex-ministro de Jair Bolsonaro, Sergio Moro, que atuou como juiz até novembro de 2018. Fachin entendeu que as decisões não poderiam ser tomadas pela Vara Criminal de Curitiba, porque, segundo o ministro, não havia conexão direta com a Petrobras.

 

A decisão do ministro do STF também apontou que não deve ser mais julgado o pedido de suspeição de decisões de Moro nos processos relacionados a Lula.

 

“A depender do caso, algumas outras condenações que também não tinham relação direta com a Petrobras podem vir a ser anuladas”, diz o criminalista membro do Instituto de Garantias Penais (IGP), Marcelo Bessa.

 

“É possível que alguém argumente que, como foi celebrado acordo de delação com um juízo agora reconhecido como incompetente, então tal pacto não pode mais ter validade”, afirma Bessa sobre os acordos.

 

Professor de processo penal e advogado Rodrigo Faucz, enxerga na decisão de Fachin uma brecha que pode afetar em massa procedimentos da Lava-Jato ligados à 13ª Vara Federal de Curitiba.

 

“Em tese, todos os processos julgados por esse juízo e que não envolvam ilícitos cometidos no âmbito da investigação da Petrobras terão de ser anulados e encaminhados aos respectivos juízos competentes”, afirma.

 

Segundo Faucz, ainda é cedo para mensurar se haverá impacto da decisão de Fachin sobre acordos de leniência e delação firmados com a Lava-Jato de Curitiba.

 

“Até mesmo porque as mensagens [de celulares de Moro e de investigadores vazadas por um hacker] mostraram que tais institutos podem ter sido utilizados indevidamente”, afirma.

 

“No entanto, certamente a defesa do ex-presidente Lula deverá ter assegurado o direito de confrontar em audiência os delatores e demais testemunhas de acusação, sob pena de violação dos princípios da ampla defesa”.

 

Para o doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo, Conrado Gontijo, o debate sobre a parcialidade de Moro “é grave e essencial” e não deve ser impactado pela decisão do ministro Fachin.

 

“O Código de Processo Penal prevê que as arguições de suspeição devem ser analisadas antes das questões de incompetência territorial”, pontua Gontijo.

 

Para o advogado e professor do curso de especialização em direito econômico da Fundação Getulio Vargas, Celso Vilardi, a decisão de Fachin livra Moro e os procuradores da Lava-Jato de explicarem as conversas vazadas e obtidas pela Operação Spoofing.

 

“O ex-juiz Moro e os procuradores não terão de verificar as mensagens da Spoofing sendo analisadas pelo Supremo, nem terão de verificar a questão da suspeição que, de certa forma, os beneficia”.