Valor Econômico, n. 5204, v.21, 10/03/2021. Política, p.A6

 

 

Ação sugere que Bolsonaro teme Lula

 

Ao paralisar suspeição de Moro, Nunes Marques dá tempo para presidente buscar saída jurídica contra petista

Por Maria Cristina Fernandes — De São Paulo

 

 

O pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques no habeas corpus da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela suspeição do ex-ministro Sergio Moro, é o sinal derradeiro de que o presidente Jair Bolsonaro ainda não sabe o que fazer com a volta do ex-presidente ao jogo eleitoral. Na dúvida, Nunes Marques jogou a bola para fora pra esfriar o jogo.

 

Até a semana passada o presidente da República mantinha-se favorável à suspeição do ex-juiz, mas se deu conta de que a polarização com o ex-presidente lhe trazia uma ameaça maior do que imaginara. O problema é que, se a suspeição de Moro favorece Lula, a anulação dos processos de Curitiba por incompetência da jurisdição também o faz. Seria difícil garantir uma condenação em duas instâncias no Distrito Federal, para onde os processos foram transferidos, antes de 2022. A não ser que as provas sejam validadas.

 

A hipótese mais provável que circulava ontem nos meios jurídicos em Brasília é a de que Bolsonaro parou a bola para tentar buscar um acordo capaz de devolver Lula para a arquibancada. O ex-juiz é um adversário em potencial do bolsonarismo mas, no momento, têm interesses comuns.

 

A reação moderada do procurador Deltan Dallagnol à anulação do processo pelo ministro Edson Fachin deixa claro que se trata da melhor saída não apenas para Moro quanto para o próprio Ministério Público Federal. Estanca a criminalização do juiz e dos procuradores da Lava-Jato, capítulo seguinte da suspeição. Foi isso que sugeriu o relator do HC, ministro Gilmar Mendes, ao onerar Moro com as custas do processo.

 

Ao pedir vista da suspeição, Nunes Marques evita bater de frente com o relator da suspeição e pode se fortalecer junto a um presidente que passou a temer Lula. A sintonia entre Gilmar e as teses da defesa do ex-presidente ficaram claras não apenas pelo voto contundente do ministro, que considerou a Lava-Jato “o maior escândalo da história do Judiciário”, mas também pela decisão do ex-presidente de adiar para hoje, depois do julgamento da suspeição, sua entrevista sobre o tema. A defesa de Lula já deixou claro que a anulação do processo não bastava.

 

A única mercadoria de pronta-entrega que Bolsonaro tem hoje para negociar uma saída que mantenha Lula fora do jogo é a vaga no Supremo Tribunal Federal. Para o lugar do ministro Marco Aurélio Mello, que deixa a Corte em julho, concorrem, em paridade de armas, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

 

Martins tem a simpatia do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem ajudou na obtenção da liminar que permitiu sua recondução à Casa, a despeito da ficha suja, e de Nunes Marques. Sua disputa interna com um postulante menos apadrinhado, o ministro João Noronha, levou o ministro Felix Fischer a retirar da pauta de julgamento da Quinta Turma do STJ os recursos da defesa do senador Flávio Bolsonaro. Internamente, a expectativa é de que o julgamento só será retomado depois da definição da vaga no STF.

 

Já o PGR tem apoios pontuais no Supremo. Nenhum deles, porém, é capaz de superar seu poder de denunciar o presidente da República pelo conjunto da obra.