Título: Convulsão social e algo mais
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/01/2009, Sociedade Aberta, p. A8

NO PRIMEIRO DISCURSO QUE FEZ depois de 15 dias de descanso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sublinhou os riscos em formação no horizonte, graças à crise financeira internacional. "Todos os países que estão diretamente envolvidos nessa crise sabem que ela não pode perdurar muito tempo", disse Lula. "Com a conseqüência do desemprego que vai acontecer, exatamente nesses países, nós corremos o risco de uma convulsão social que o mundo desenvolvido não esperava que acontecesse". O presidente previu ainda um trimestre tenebroso para o Brasil ­ "preocupante", segundo suas palavras ­ num pessimismo inédito da cosmologia presidencial.

São observações pertinentes. No caso do Brasil, convém levar em conta o esforço da equipe econômica de responder aos pedidos dos setores que mais têm sofrido com a crise ­ exemplo é a promessa de um novo conjunto de medidas, segundo mostrou ontem o JB. As próximas ações serão destinadas, segundo um integrante da equipe, à manutenção do crescimento e à geração de empregos. Reage, assim, aos clamores emitidos por empresários dos setores de infra-estrutura e construção civil, para os quais o "investimento na veia" (expressão do economista Luiz Gonzaga Belluzzo) abrirá a trilha que afastará o país de uma contaminação mais danosa.

O outro ponto destacado por Lula diz respeito a um temor crescente no centro das economias avançadas. Conforme de monstrou recente reportagem do jornal Financial Times, o capitalismo avança trôpego em meio à sua primeira crise econômica globalizada, e o custo não será medido apenas em dólares e centavos, mas em tensão social e instabilidade política em vários países. Lula não citou, mas precisam ser incluídos na galeria de temores não só as nações desenvolvidas. Da nova rica Rússia à eternamente pobre África Subsaariana, as tensões sociais já estão ameaçando a ordem política estabelecida, colocando em risco a sobrevivência de alguns países. O comissário de Ajuda para Desenvolvimento da União Européia, Louis Michel, chegou a dizer que a desilusão e os efeitos de contágio da recessão mundial "não apenas tornarão mais agudos os conflitos existentes no mundo e alimentarão o terrorismo, mas também ameaçarão a segurança mundial". Os cenários são inquietantes: instabilidade no Paquistão, um Irã mais agressivo, uma Coréia do Norte mais belicosa, colapsos na Somália ­ além de passos preocupantes na Rússia.

E não é só. Os prognósticos são, de fato, desabonadores para o mundo desenvolvido. Mesmo especialistas menos céticos acham que a volta do desemprego em massa não é impossível. No ano passado, os EUA registraram a maior perda anual de empregos desde 1945. A Grã-Bretanha já está em recessão. O Japão vai mal. O desemprego ganha musculatura com rapidez. O risco ­ inclusive para o Brasil ­ são os efeitos sobre o comércio internacional. O Banco Mundial prevê um encolhimento inédito em mais de 25 anos, ampliando o desfiladeiro econômico de países em de senvolvimento. No encontro do G-20, em novembro, todos os 20 governos prometeram evitar medidas protecionistas, as quais, acredita-se, teriam piorado a crise dos anos 30. Mas dias depois de voltar de Washington, Índia e Rússia aprovaram novas tarifas. E nem americanos nem europeus se mexeram o suficiente.

As evidências confirmam os temores apontados por Lula. E mais alguns. De um lado, gigantescas perdas econômicas; de outro, convulsão social. Ambas poderão atingir países ricos e pobres.