Valor Econômico, n. 5205, v.21, 11/03/2021. Brasil, p.A6

 

 

 

Descontrole preocupa os vizinhos da América Latina

 

A nova rodada de “lockdowns” no Brasil também levará à retração da atividade nos demais países

Por Anaïs Fernandes — De São Paulo

 

O descontrole da pandemia no Brasil, com potenciais impactos econômicos e financeiros para o país, gera preocupação também para os vizinhos da América Latina, avaliaram economistas e ex-ministros de países da região em seminário do Grupo de Conjuntura Econômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

“Uma desestabilização macroeconômica no Brasil ou uma dificuldade financeira poderia converter-se como nunca antes em um fator de desestabilização em escala regional”, afirmou Fernando Lorenzo, pesquisador do Centro de Investigações Econômicas (Cinve) e ex-ministro da Economia do Uruguai (2010-2013).

 

Embora a dívida pública do Brasil esteja, basicamente, com residentes - situação muito diferente da de outros países, como a Argentina -, o seu perfil, de vencimentos de curto prazo, preocupa, segundo Lorenzo. “Por mais que a estrutura de passivos do setor público esteja na mão de brasileiros, creio que os efeitos de qualquer problema em matéria de rolamento ou de custo do rolamento poderiam ter consequências muito significativas para toda a região”, disse. Lorenzo pondera, no entanto, que consolidações fiscais não podem acontecer “demasiado rápido”.

 

A nova rodada de “lockdowns” no Brasil também levará à retração da atividade - que não deve ser pequena no primeiro trimestre - e esse impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro pode ter implicações, através de laços comerciais, em alguns países da América Latina, sobretudo membros do Mercosul, avaliou Francisco Eduardo Pires de Souza, coordenador do grupo da UFRJ e um dos organizadores do seminário, junto com os professores e pesquisadores Antonio Licha e Margarida Gutierrez.

 

O desafio agora para países como o Brasil - que já tinham “pouco espaço fiscal” e deram uma resposta “muito significativa” à pandemia - será promover uma “terceira geração de regras fiscais”, defendeu Mauricio Cárdenas, professor visitante da Universidade Columbia e ex-ministro das Finanças da Colômbia (2012-2018).

 

“Vai detonar a necessidade de um novo pacto fiscal na América Latina que vise manter um programa de estímulo fiscal, porque a pandemia não terminou e as economias ficaram muito deterioradas, e, ao mesmo tempo, promover medidas para deixar as finanças públicas mais sustentáveis”, disse Cárdenas, que prepara um trabalho sobre o tema em parceria com pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI).