Valor Econômico, n. 5205, v.21, 11/03/2021. Política, p.A12

 

 

 

“Não tenham medo de mim”, diz Lula em aceno ao centro e a empresários

 

Com direitos políticos recuperados, ex-presidente busca ampliar acordos e alianças e coloca-se à disposição para o diálogo com setores conservadores

Por Cristiane Agostine — De São Bernardo do Campo (SP)

 

Com os direitos políticos recuperados e a possibilidade de lançar-se à Presidência em 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um pronunciamento repleto de acenos a empresários, investidores e a políticos do centro e centro-direita. Lula desconversou sobre sua eventual candidatura, mas assumiu em seu discurso o tom eleitoral e disse que percorrerá o país depois de ser vacinado. O petista se contrapôs ao governo Jair Bolsonaro e defendeu a vacinação em massa da população, a retomada do auxílio emergencial e a ampliação dos investimentos públicos, sobretudo em infraestrutura, para gerar emprego e renda. Para Lula, é possível construir um acordo com setores conservadores para viabilizar essa agenda econômica.

 

Em um ato no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, seu berço político, o petista deixou claro seu mote de campanha, o antibolsonarismo. Ao atacar a gestão da pandemia e o desemprego no país, Lula chamou o presidente Jair Bolsonaro de fanfarrão e criticou o ministro Paulo Guedes (Economia) e Eduardo Pazuello (Saúde). O ex-presidente defendeu mais diálogo com os empresários, que, em sua análise, foram esquecidos por Bolsonaro, e afirmou que não há motivos para investidores e políticos de centro terem medo dele. O petista disse que não é um “demônio” e colocou-se à disposição para reunir-se com a Febraban e Fiesp.

 

Foi o primeiro pronunciamento de Lula depois que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou as condenações do petistas relativas a processos da Lava-Jato. Preso por 580 dias depois da condenação no caso do tríplex do Guarujá, o petista disse que não guarda mágoas nem amargura, mas afirmou que lutará para que o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que o condenou, tenha sua atuação considerada como parcial pelo STF. A seguir, trechos do discurso, de quase 1h30, e da entrevista concedida por Lula à imprensa ontem.

 

2022
“Eu seria pequeno se tivesse pensando em 2022 neste instante. [Em] 2022 o partido vai pensar quando chegar o momento de fazer convenções, e vai discutir se terá candidato, se será candidato de uma frente ampla. Isso só se dará no ano que vem.”

 

Frente além da esquerda
“Uma frente de esquerda é mais fácil construir para um programa de luta do que com a direita. Mas se pode construir um programa que envolva setores conservadores, por exemplo, na questão da vacina, do salário emergencial. Se colocar na frente a discussão eleitoral, trunca qualquer evolução, mas se colocar os problemas do povo nas conversas com os setores conservadores, pode produzir efeitos extraordinários. Vejo muita gente falar de frente ampla, com PCdoB, PT, Psol, PSB. Isso é uma frente de esquerda, não tem nada de ampla. Isso a gente faz desde 1989. Frente ampla é se a gente tiver capacidade de conversar com outras forças que não estão no espectro da esquerda. É possível? É. ”

 

‘Loucura dos empresários’
“Quero conversar com a classe política. Muitas vezes, a gente se recusa a conversar com determinados políticos. É da nossa natureza. Gostaria que no Congresso que só tivesse gente boa, de esquerda, progressista, mas não é assim. Então temos que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta o país. Preciso conversar com empresários, quero saber onde é que está a loucura deles para não perceberem que se quiserem crescer economicamente, que a bolsa cresça, que a economia cresça, é preciso garantir que o povo tenha emprego, renda, que viva com dignidade. Senão, não tem crescimento.”

 

Não tenham medo de mim’
“Não tenham medo de mim. Sou radical porque quero ir à raiz dos problemas neste país, porque quero ajudar a construir um mundo justo, mais humano. (..) Esse mundo é possível e convido vocês a lutar para que todos os brasileiros tomem vacina e temos que obrigar o governo a comprar vacina, brigar pelo salário emergencial, por investimento e geração de emprego, sobretudo a partir de infraestrutura, brigar por política de ajuda aos microempreendedores, pequenos empresários.”

 

Medo do mercado financeiro
“Por que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu oito anos no governo meu e mais seis anos no governo da Dilma. Do que tem medo? Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor estar na mão do governo do que na mão do mercado. A quem interessa essa autonomia do Banco Central? Ao sistema financeiro. O que o mercado quer? Quer ganhar dinheiro investindo em coisas produtivas? O mercado tem que gostar de mim. Quer ganhar dinheiro vendo o povo virar consumidor, comendo coisa de melhor qualidade, viajando? Tem que votar em mim. Agora se quiser ver a entrega da soberania nacional, vendendo o patrimônio nacional, não votem em mim. Tenha medo, porque não vamos privatizar. E quem tiver comprando coisas da Petrobras está correndo risco porque a gente pode mudar muita coisa.”

 

‘Demônio Lula’
“No meu governo as coisas eram feitas à luz do dia. Tinha previsibilidade e credibilidade. Não sei de que mercado está se falando. Se é dos meninos que vivem de especulação de vender ilusões, trocando papéis sem produzir um lápis, eles têm que ter preocupação, porque vamos levar muito a sério o investimento produtivo, a geração de emprego. Espero que o mercado seja sempre contra mim e o povo a favor. Esse medo do radicalismo... Eu era chamado de conciliador quando governava esse país. Chamava dirigente sindical e dizia que tinha que reivindicar mais. Quantas reuniões eu fazia com empresários, perguntava o que eles queria. O agronegócio nunca conversou tanto como conversava comigo. Até a Febraban poderia me chamar para mostrar qual é o demônio. Nunca tive medo de conversar com eles. A Fiesp, me chama para fazer debate na sede deles. Qual é o demônio? O demônio é a safadeza daqueles empresários quando Guido Mantega, quando ministro da Fazenda, liberou R$ 540 bilhões de desoneração e que não foram repassados para o povo trabalhador. Gostaria que [esse medo] tivesse um pouco de fundamento.”

 

Ouvir os empresários
“Um presidente tem que conversar com sindicalistas, com empresários. Parece que o Bolsonaro só conversa com o ‘louro’ da Havan. Não tem reunião produtiva com os empresários. Tinha um conselho com 100 pessoas, que participava dirigente sindical, grandes empresários, índio, bispo, padre, negro, porque queria ouvir a sociedade. Fizemos 74 conferências para ouvir o que a sociedade queria. Bolsonaro não junta ninguém, junta os milicianos para dizer que vai ter mais armas.”

 

Decisão de Edson Fachin
“Sou agradecido ao ministro Fachin porque ele cumpriu o que a gente reivindicava desde 2016. (...) Reconheceu que nunca cometi crime. Toda amargura que passei, todo sofrimento, acabou. Estou muito tranquilo. Fui absolvido em todos processos fora de Curitiba.”

 

Luta pela suspeição de Moro
“Vamos continuar brigando para que Moro seja considerado suspeito, porque ele não tem direito de se transformar no maior mentiroso da história do Brasil e ser considerado herói por aqueles que queriam me culpar. Deus de barro não dura muito tempo. (...) Não existe país no mundo com um juiz que fez o que Moro fez. Não existe um procurador do mundo que fez o que Dallagnol e sua equipe fizeram. Eles estavam quase montando uma quadrilha, criar um fundo de milhões de dólares, estavam roubando a Petrobras.”

 

Vacina contra covid-19
“Semana que vem, se Deus quiser, vou tomar minha vacina. E quero fazer propaganda para o povo. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente ou do ministro da Saúde. Tome vacina. (... ) Muitas das mortes poderiam ser evitadas se o governo tivesse feito o elementar. (...) Era preciso priorizar o dinheiro e comprar as vacinas disponíveis.”

 

Bolsonaro fanfarrão
“O país está totalmente desordenado e desagregado porque não tem governo. (...) Não tem ministro da Saúde, da Economia. O país tem um fanfarrão, presidente não sabe de nada e diz que tudo é da conta do Guedes. Enquanto isso, o país está empobrecido.”

 

Contra a privatização
“Vocês nunca ouviram da minha boca falar em privatização. Quem é que acha que só a iniciativa privada é boa? (...) Já viu Guedes falar uma palavra sobre desenvolvimento econômico, crescimento e distribuição de renda? Não. É vender. Quando venderem e gastarem o dinheiro em custeio, o país vai ficar mais pobre, o PIB não vai crescer, e a dívida vai crescer. O que vai fazer a dívida diminuir é o investimento público. Se o Estado não confia na política e não investe, por que o empresário investiria?”

 

Auxílio emergencial
“O Estado só pode deixar de pagar [o auxílio] quando tiver gerando emprego, as pessoas tiverem gerando renda às custas de seu salário. Enquanto o governo não cuida do trabalho, de emprego e de renda, tem que ter salário emergencial para que as pessoas não morram de fome.”

 

Giro pelo país
“Quero voltar a andar esse país para conversar com o povo. Alguma atitude vamos ter que tomar para que este país volte a crescer, para que esse povo volte a sonhar.”

 

Preço do combustível
“Não é possível permitir que o preço do combustível tenha que seguir o preço internacional se não somos importadores de petróleo. O Brasil é exportador. Nós produzimos [combustível] na qualidade que produz a União Europeia. Agora estamos importando gasolina e óleo diesel dos Estados Unidos. Não tem lógica.”

 

Embate com os americanos
“Teve golpe contra Dilma porque é preciso não ter petróleo no Brasil na mão dos brasileiros, mas sim nas mãos dos americanos, porque eles precisam ter estoque para a guerra. Depois da segunda guerra mundial, eles aprenderam que só ganha a guerra quem tem muito estoque de combustível. Os países ricos todos têm grande estoque de combustível, e nós, que somos um país grande, que temos tecnologia em águas profundas, estamos nos desfazendo disso para atender aos interesses do ‘deus mercado’ do petróleo.”

 

Meninice de Ciro
"Ciro deve assumir a responsabilidade de ser um homem de 64 anos. Se Ciro quer ser presidente, ele tem que respeitar as pessoas; ele primeiro tem que se reeducar. Se continuar com essas grosserias, não vai ter apoio da esquerda, não vai ter confiança da direita, vai ter menos votos. Ciro tem que aprender que humildade não faz mal a ninguém."

 

Elogio de Rodrigo Maia
"Fico lisonjeado com elogio do Rodrigo Maia; se for necessário conversar com o Rodrigo Maia, eu converso; estou aberto."

 

 

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Para Bolsonaro, petista celebra cedo demais

 

Presidente diz que houve desvio de recursos enviados pela União a Estados e municípios

Por Matheus Schuch — De Brasília

 

 

O presidente Jair Bolsonaro, ao rebater ontem as críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao seu governo, disse que a comemoração do petista pela anulação das sentenças que sofreu no âmbito da Lava-Jato é prematura. “Lula está comemorando cedo demais, vai ser analisada pelo pleno esta decisão do ministro Luiz Edson Fachin”, finalizou. Fachin declarou a nulidade das sentenças em decisão monocrática, mas um recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) deve levar o tema para o plenário da corte.

 

Bolsonaro repetiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu poder de ação no combate à pandemia aos Estados e municípios e negou que haja um “desgoverno” em relação à pandemia, como afirmou o petista.

 

“O STF decidiu que ao governo federal coube basicamente envio de recursos e meios para a saúde. Não se justifica esta crítica do ex-presidente Lula, que agora inicia uma campanha. Como não tem nada para mostrar de bom, a campanha deles é baseada em criticar, mentir e desinformar”, sustentou, em entrevista à “CNN” em frente ao Palácio da Alvorada.

 

As UTIs lotadas, segundo o presidente, são fruto de desvio de finalidade dos recursos enviados pela União. “Será que os governadores, como o do Rio Grande do Sul e o de São Paulo, não tiveram tempo de organizar hospitais?”, provocou, antes de acrescentar que a população foi vítima de “terrorismo” sobre a pandemia, que o “lockdown” não funciona e que mortes “infelizmente vão continuar acontecendo”.

 

Bolsonaro admitiu que a nova cepa do vírus, em circulação no país, tornou a situação “bastante grave”, mas voltou a criticar medidas de isolamento social e os reflexos disso na economia.

 

“A melhor política de distribuição de renda é o emprego, mas a política de ‘lockdown’ obriga as pessoas a ficarem em casa e perderem o emprego”, pontuou. “Se Haddad tivesse sido eleito a política de ‘lockdown’ estaria instalada em todo o país. Ele [Lula] não sabe o que fala, não tem argumentos e vai ficar aí tagarelando não sei por quanto tempo”.

 

Comparando o seu governo com o do petista, Bolsonaro justificou que a Economia não “decolou” por causa da pandemia e destacou os casos de corrupção investigados nos governos passados.

 

“Eu queria que ele [Lula] apontasse algum ponto de corrupção na economia, o que era muito comum no governo dele. O governo dele era baseado na corrupção, o que foi devolvido por delatores comprova”, disse. “Foi um governo cuja marca principal foi desmando, corrupção e voltado ao populismo”. Bolsonaro também acusou o petista de viver de “sugar a máquina pública”, por isso “quanto mais estatais no governo dele, melhor”.