Valor Econômico, n.5207 , 15/03/2021. Brasil, p.A4

 

Bolsonaro procura substituto para Pazuello

Fabio Murakawa

Isadora Peron

Vandson Lima

15/03/2021

 

 

Presidente decide trocar ministro e conversa com médica

O presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e já procura um substituto para o general, no momento em que o Brasil enfrenta uma escalada de mortes por conta do coronavírus. Ele chegou a conversar ontem no Palácio da Alvorada com a médica Ludhmila Hajjar, que horas mais tarde passou a ser alvo de intensos ataques nas redes sociais bolsonaristas e de parte de integrantes do governo. Ao fim do dia, a sensação era a de que a sua “candidatura” havia enfraquecido.

Pazuello deve deixar o governo nos próximos dias com o país registrando uma média superior a 2 mil mortos diários pelo coronavírus. A insatisfação com o trabalho do ministro é geral no Judiciário, no Congresso, entre os governadores por uma suposta falta de traquejo político e desconhecimento para conduzir o país no momento mais grave da pandemia.

A troca na Saúde foi discutida em uma reunião no sábado entre Bolsonaro, Pazuello e outros ministros militares no Hotel de Trânsito de Oficiais, em Brasília. Também participaram Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo (Defesa) e Walter Souza Braga Netto (Casa Civil), todos generais da reserva.

Segundo uma fonte militar, Bolsonaro e seus ministros estão “buscando uma solução [para o Ministério da Saúde] em prol da unidade com o legislativo”

De acordo com diferentes fontes ouvidas pelo Valor, o nome de Hajjar passou pelo crivo de representantes dos Três Poderes.

A possibilidade de Bolsonaro nomeá-la ministra agradou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo Valor. Um ministro da Corte reservadamente classificou a médica como "excelente".

O presidente do STF, Luiz Fux, porém, não teria participado das conversas sobre a sucessão no ministério. A interlocutores, afirmou que não é do seu feitio debater assuntos como esse, porque não costuma fazer política com a toga.

Hajjar é médica de confiança do ministro Dias Toffoli, que teria endossado o nome da cardiologista ao presidente. No ano passado, ela acompanhou o ministro quando ele sofreu um acidente doméstico e precisou ficar internado, em julho. Meses depois, foi responsável pelo tratamento de Toffoli quando ele foi diagnosticado com covid-19.

Hajjar também tratou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando ele contraiu o coronavírus. O deputado disse ontem no Twiter que ela tem os atributos necessários para o cargo.

“Coloquei os atributos necessários para o bom desempenho à frente da pandemia: capacidade técnica e de diálogo político com os inúmeros entes federativos e instâncias técnicas. São exatamente as qualidades que enxergo na doutora Ludhmila”, escreveu Lira.

O Valor apurou que, de fato, a indicação de Hajjar tem o apoio do presidente da Câmara. Porém, fontes dentro do Contresso afirmam que uma parte da bancada de seu partido, o PP, tem clara preferência por outro candidato: o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ).

O Ministério da Saúde é uma antiga demanda da legenda, que já ocupou a pasta durante o governo Michel Temer. O titular da pasta à época era Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo na Câmara.

Na tarde de ontem, enquanto Hajjar era elogiada de maneira quase unânime por autoridades, médicos e analistas, seu nome começou a sofrer um forte ataque nas redes sociais bolsonaristas. Também membros do governo passaram a propagar informações negativas sobre ela.

Viralizou no Twitter um vídeo da médica em uma live com a ex-presidente Dilma Rousseff. No fim da conversa, Hajjar chama Dilma de “presidenta” - termo com o qual as pessoas identificadas com a esquerda se referem a ela.

Perfis bolsonaristas também espalharam nas redes fotos dela com Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara, e o ministro Gilmar Mendes, do STF, ambos tidos como párias pelos mais exaltados fãs do presidente.

Nos Membros do governo, além disso, passaram a ressaltar as ligações de Hajjar com Roberto Kalil Filho, médico pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins chegou a retuitar uma postagem com link para matéria com o título “Cotada para Saúde participou de estudo que matou 11 pessoas para boicotar cloroquina”. Ele, depois, desfez o retuíte.

Em meio a várias especulações, ficou evidente o descompasso na comunicação do governo.

O Palácio do Planalto se manifestou oficialmente apenas uma vez, às 17h09, para confirmar que Bolsonaro havia se encontrado com Hajjar no Alvorada. A nota não especificou o assunto.

Segundo apurou o Valor, Bolsonaro agendou um novo encontro com a médica para a próxima terça-feira, quando o martelo seria de fato batido.

Momentos mais tarde, um assessor especial do ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o marketeiro Marcos Eraldo Arnoud, foi ao Twitter para dizer que ele não pediu demissão e que o presidente Jair Bolsonaro não pediu que ele deixasse o cargo.

Markinho Show, como é conhecido, reproduziu em sua conta pessoal uma suposta fala de Pazuello afirmando isso.

“Segue [sic] as aspas do ministro. Acabei de falar com ele agora [sic] ‘não estou doente, não entreguei o meu cargo e o presidente não o pediu, mas o entregarei assim que o presidente solicitar. Sigo como ministro da saúde no combate ao coronavírus e salvando mais vidas’”, escreveu.

O tuíte se assemelha a uma nota distribuída por ele momentos antes a alguns jornalistas, que no entanto não negava que Pazuello havia pedido demissão e tampouco mencionava que Bolsonaro não havia pedido o cargo.

“Eu não estou doente, continuo como ministro da Saúde até que o presidente da República peça o cargo. A minha missão é salvar vidas”, dizia a nota anterior, que também foi distribuída à imprensa como uma fala de Pazuello.

A mudança de discurso surpreendeu pessoas dentro do Palácio do Planalto e no entorno do próprio ministro. Ainda prevalece, porém, a informação de que o general deixará o cargo em breve.

As pressões contra a permanência de Pazuello se intensificaram na semana passada, com o agravamento da pandemia.

Nos últimos dias, o Brasil rompeu a marca de 2 mil mortes diárias por conta do coronavírus.

A perspectiva no Planalto e no Ministério da Saúde é que o país atravesse até seis semanas com uma média de mortes diária nesse patamar. O pico pode chegar a 3 mil mortes em um único dia.

O número de casos diários dispara, enquanto a vacinação segue a passos lentos no país. Isso levou governadores a iniciar negociações diretas com laboratórios em busca de vacinas e a cobrar uma melhor coordenação do governo federal na condução da pandemia.

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General enfrentará Justiça comum se for demitido

Isadora Peron

15/03/2021

 

Caso o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deixe o governo, o inquérito aberto contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser enviado à primeira instância.

A decisão cabe ao relator, ministro Ricardo Lewandowski, mas o caminho mais provável é que o caso seja enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal, já que ele não terá mais direito à prerrogativa de foro. 

Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com o ex-ministro da Educação Abraham Weinutraub. O inquérito que ele respondia no STF, por afirmações ofensivas sobre a China, foi enviado à primeira instância.

Segundo o Valor apurou com um integrante do Superior Tribunal Militar (STM), apesar de Pazuello ser general, o caso não seria remetido à Justiça Militar, porque não se trata de um crime militar, mas sim ato cometido enquanto ele desempenhava uma função civil.

Caso seja condenado pela Justiça comum, Pazuello pode vir a ter problemas em sua carreira militar no futuro. Neste caso, uma eventual análise de perda de posto e patente caberia ao STM.

A investigação no Supremo foi aberta no fim de janeiro para apurar a conduta de Pazuello em relação ao colapso do sistema de saúde em Manaus (AM), onde dezenas de pacientes da covid-19 morreram por falta de oxigênio hospitalar.

A decisão atendeu a um pedido feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Para o PGR, “a possível intempestividade” do ministro da Saúde na tomada de providências “pode caracterizar omissão passível de responsabilização cível, administrativa e/ou criminal”.

Aras destacou também que Pazuello “tinha dever legal e possibilidade de agir para mitigar os resultados”.

O ponto central é que evidências apontam que o ministro soube com antecedência que faltaria oxigênio em Manaus, e mesmo assim não tomou providências.

O momento em que ele foi informado sobre o problema de abastecimento do produto já foi alvo de diversas informações desencontradas. O próprio ministro chegou a dizer que a pasta recebeu informações sobre o caso da empresa White Martins, fornecedora de oxigênio medicinal para o Estado, no dia 8 de janeiro, mas depois voltou atrás. O ministro foi ouvido pela Polícia Federal em fevereiro.

Além do inquérito no STF, a atuação de Pazuello no combate à pandemia é alvo de questionamentos no Tribunal de Contas da União (TCU) e de um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado.

Ontem, o Ministério da Saúde afirmou que, “até o presente momento”, Pazuello seguia à frente da pasta. De acordo com a nota, o ministro continua com “a sua gestão empenhada nas ações de enfrentamento da pandemia no Brasil”. O texto destacou ainda que Pazuello “se encontra em perfeito estado de saúde e não há nenhum pedido de demissão do ministro ao presidente da República”.

Pazuello está sob intensa pressão dentro do governo e a expectativa é que ele possa ser substituído nos próximos dias. Neste momento, o nome mais cotado para o posto é o da médica cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, que é professora da USP e diretora de ciência e tecnologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia.