Valor Econômico, n.5207 , 15/03/2021. Política, p.A9

 

Boulos diz que união da esquerda em 2022 é “possível e necessária”

Cristiane Agostine

15/03/2021

 

 

Ex-candidato à Presidência pelo Psol diz ser pouco provável frente com centro-direita em torno de Lula

A construção da frente ampla defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que extrapole os muros da esquerda e se aproxime de setores do centro e da centro-direita, já encontra resistência entre aliados do petista. Um dos principais líderes nacionais do Psol, Guilherme Boulos diz que é importante ampliar o diálogo, mas descarta a possibilidade de um acordo com setores conservadores para a disputa contra o presidente Jair Bolsonaro em 2022.

Boulos defende uma aliança dentro da centro-esquerda, diz que a unidade desse campo político é “possível e necessária” e afirma que, diferentemente da eleição presidencial passada, a pandemia e a crise econômica impõem a necessidade de a esquerda superar suas divergências e seguir unida.

“Diálogo não arranca pedaço de ninguém. É importante que o faça, ainda mais diante da gravidade do momento que o Brasil vive. Agora, francamente, não acredito que o centro ou a centro-direita brasileira irão apoiar um projeto de esquerda”, afirma.

Candidato do Psol à Presidência em 2018 e à Prefeitura de São Paulo em 2020, Boulos diz que é preciso buscar a interlocução com o centro e a centro-direita para fortalecer a oposição a Bolsonaro. No entanto, essa proximidade tende a acabar à medida que a eleição presidencial se aproximar. As principais diferenças, diz, estão nas propostas para a política econômica.

Boulos diz que a agenda defendida pelo centro e pela centro-direita aproxima esses campos do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, e marca distância com a centro-esquerda no primeiro turno. “Se existe um grau de unidade contra o negacionismo de Bolsonaro, em defesa das liberdades democráticas, é importante que se semeie essa unidade. Mas, numa eleição, não está em questão apenas contra quem você está brigando. Está em questão o projeto que está se apresentando para o país, e o que a esquerda e a centro-esquerda apresentam não é neoliberal, de cortes, de privatização”, diz.

“A centro-direita terá seu candidato ou seus candidatos. Mas, no segundo turno, sou favorável à unidade democrática contra o Bolsonaro caso ele esteja lá.”

O Psol começou a discutir a possibilidade de abdicar de uma candidatura própria para apoiar Lula, mas Boulos evita falar em nomes para disputar a Presidência no próximo ano. O dirigente afirma que tem mantido conversas com lideranças políticas de outros partidos, com vistas a uma aliança da centro-esquerda, e que sua prioridade é “construir a unidade” para 2022.

Em 2018, com Lula, a centro-esquerda se pulverizou entre as candidaturas de Fernando Haddad (PT), de Ciro Gomes (PDT) e de Boulos. Agora, o dirigente do Psol diz que o cenário caótico enfrentado pelo país, com mais de 2,2 mil mortes diárias por covid-19 e o desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas, forçará a uma união. “É possível e necessária.”

“A gravidade do cenário no país nos leva à construção de uma unidade que não estava posta em 2018”, afirma Boulos. “Não estamos em um período de normalidade. É preciso botar a bola no chão e olhar a situação. O país tem a pior condução da pandemia no mundo, desemprego, fome, inflação, corte no auxílio emergencial e um presidente que só fala em golpe, arma e semeia o ódio.”

O líder do Psol evita também falar sobre as divergências dentro da centro-esquerda, sobretudo em relação aos ataques do ex-ministro e presidenciável Ciro Gomes a Lula e ao PT. Para Boulos, Ciro faz uma “opção tática” ao buscar a interlocução com o centro e até com a centro-direita em detrimento à esquerda para tentar viabilizar sua pré-candidatura para 2022.

Caso o Psol não lance uma candidatura própria à Presidência, Boulos é tido como um potencial candidato ao governo de São Paulo. O bom resultado eleitoral em 2020 na disputa pela Prefeitura de São Palo, ao chegar em segundo lugar, cacifou o político para o governo paulista. O partido pretende articular uma aliança com o PT, que ainda não apresentou nomes fortes para a disputa paulista. O candidato deve ter como principal adversário o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que depois da entrada de Lula no jogo eleitoral de 2022 passou a falar publicamente em tentar a reeleição - e não mais disputar a Presidência.

O tom adotado por Boulos se diferencia do discurso feito por Lula após ter retomado seus direitos políticos - e a possibilidade de se candidatar à Presidência. Em São Bernardo do Campo, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, seu berço político, o ex-presidente fez acenos ao centro e a empresários, e um apelo: “Não tenham medo de mim”. Lula defendeu o diálogo com setores conservadores para construir um programa de governo para “salvar” o Brasil, em uma agenda com temas como a vacinação contra a covid-19 e a implementação imediata do auxílio emergencial.

O ex-presidente defendeu ainda a construção de uma aliança para além da esquerda. “Vejo muita gente falar de frente ampla, com PCdoB, PT, Psol, PSB. Isso é uma frente de esquerda, não tem nada de ampla. Isso a gente faz desde 1989. Frente ampla é se a gente tiver capacidade de conversar com outras forças que não estão no espectro da esquerda. É possível? É”, afirmou o ex-presidente, na quarta-feira. Ao pedir que os setores conservadores não tenham medo dele, Lula disse ser “radical” porque quer “ajudar a construir um mundo justo, mais humano”.

Coordenador nacional do MTST, Boulos avalia que mesmo com a grave crise sanitária e o agravamento das crises social e econômica, o eventual impeachment de Bolsonaro dificilmente será viabilizado. O presidente ainda tem maioria no Legislativo, com a aliança com o Centrão, e a pandemia tem impedido a mobilização popular nas ruas contra o governo.