Valor Econômico, n.5208, 16/03/2021. Brasil, p.A8

 

OCDE passa a observar corrupção no Brasil

Assis Moreira

16/03/2021

 

 

OCDE cria grupo para monitorar como Brasil tem lidado com a corrupção; representantes dos EUA, Itália e Noruega tiveram primeira reunião na semana passada

A corrupção no Brasil entrou no radar da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). Pela primeira vez em 27 anos de atividades, o Grupo de Trabalho Anti-Corrupção da entidade criou um grupo específico que vai monitorar a situação no Brasil nesse campo.

O Valor apurou que o chamado subgrupo para acompanhar o Brasil é formado por EUA, Itália e Noruega. Criado em dezembro, teve sua primeira reunião na semana passada, em Paris. O encontro coincidiu com a reviravolta na Lava-Jato, que o governo brasileiro terá que explicar na próxima reunião, que deve ocorrer dentro de seis meses.

Segundo fontes, o presidente do Grupo Anti-Corrupção da OCDE, Drago Kos, queria uma medida mais dura visando o Brasil, no fim do ano passado, aparentemente diante de baixa implementação de recomendações contra corrupção. Mas não houve consenso entre os 44 países-membros da entidade. A solução encontrada foi criar o subgrupo de monitoramento, algo inédito. Dependendo das circunstâncias, esse mecanismo poderá levar relatos sobre o Brasil à plenária do grupo de trabalho para decidir sobre novas medidas em relação ao país.

No fim de 2019, já em meio a dificuldades no combate à corrupção no país, o Brasil correu o risco de ver suas companhias serem submetidas a dificuldades nas transações bancárias internacionais. Uma medida não concretizada de “due diligence” (processo de reunião de uma série de informações antes da tomada de decisão, um caminho geralmente usado por empresas antes de fusões e aquisições) implicaria que os outros 43 membros do Grupo Anti-Suborno aumentariam o monitoramento de seus negócios com empresas brasileiras, já que o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro estaria enfraquecida no país.

Questionado ontem sobre aplicar o “due diligence” sobre o Brasil agora, Drago Kos respondeu que o grupo de trabalho atualmente não discute essa medida nem em relação ao Brasil nem a qualquer outro país.

Em entrevista ao Valor, Drago Kos foi perguntado se considera se o Brasil está em melhor ou pior situação em relação à corrupção. Ele respondeu mencionando uma percepção dos últimos cinco anos. “Em outubro de 2016 elogiamos o Brasil pelo progresso na implementação de nossas recomendações. Já em 2019 nossas sérias preocupações começaram e ainda não desapareceram. Isso diz tudo.”

Em novembro de 2019, Kos presidiu uma missão ao Brasil num contexto de inquietações sobre a definição do que constituiria abuso de autoridade por parte de juízes e promotores, visto como um retrocesso na luta contra a corrupção. Também estavam em debate limitações no compartilhamento de dados bancários ou fiscais entre a Receita Federal e a Unidade de Investigação Financeira (antigo Coaf) e o Ministério Público, que deflagrou sinal de alerta sobre deterioração na luta contra suborno.

“Além de alguns dos motivos que nos obrigaram a organizar a missão de alto nível ao Brasil em novembro de 2019, e ainda não foram atendidos, estamos acompanhando atentamente todas as notícias da mídia sobre o combate à corrupção internacional no Brasil’’, afirmou ele.

Com relação ao impacto que o desmonte da Lava-Jato terá para o Brasil no grupo da OCDE, Drago Kos respondeu que “cada país pode decidir por si mesmo como vai combater seus casos de corrupção’’. E acrescentou que “o Brasil provou com Lava-Jato que é capaz de combater com eficácia e eficiência até os casos de corrupção mais complicados e de alto nível. Portanto, o grupo de trabalho monitorará cuidadosamente se as novas soluções organizacionais anti-suborno no país alcançarão o mesmo nível de eficácia e eficiência das força-tarefa da Lava-Jato”.

De acordo com o presidente do Grupo Anti-Corrupção, é possível um país passar de um nível muito baixo de aplicação da convenção anti-suborno da OCDE para um nível muito alto em período muito curto de tempo. “Só espero que o contrário não aconteça agora” no caso brasileiro, afirmou ele.

Uma fonte que acompanha os trabalhos na OCDE observou que no grupo anti-corrupção não havia tempo para responder aos questionamentos sobre o Brasil na plenária, até pela agenda apertada. Agora, o acompanhamento no subgrupo, segundo a fonte, dá a possibilidade de respostas mais detalhadas.