Valor Econômico, n.5208, 16/03/2021. Brasil, p.A8

 

ONGs voltam a denunciar Bolsonaro por gestão na saúde

Assis Moreira

16/03/2021

 

 

Especialistas acreditam que presidente terá de prestar contas por sua atuação no combate à covid-19

A Comissão Arns e o Conectas denunciaram ontem o governo de Jair Bolsonaro por “devastadora tragédia humanitária”, durante intervenção no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), em Genebra, em meio a inquietação internacional sobre o avanço da covid-19 no país.

O CDH é um espaço para discutir direitos humanos e denunciar violações. E desde o começo da atual sessão, iniciada em 22 de fevereiro, o governo Bolsonaro não cessa de ser denunciado por ONGs, principalmente pela gravidade do impacto da pandemia no país. O que acontece depois depende, por exemplo, de entidades levarem os casos para o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Sobretudo, o efeito prático das denúncias é midiático, ao chamar a atenção internacional e colocar pressão política sobre o governo. Além disso, degrada ainda mais a imagem de Bolsonaro no exterior. E pode levar ONGs de países para os quais o Brasil é grande exportador a mobilizarem seus governos contra interesses brasileiros por violação dos direitos humanos.

“O Brasil e Bolsonaro continuarão sendo criticados no CDH até o ultimo dia da sessão, na semana que vem”, acredita um observador. Ontem, Maria Hermínia Tavares de Almeida, membro da Comissão Arns, denunciou que “a situação do Brasil é desesperadora” diante de 279,6 mil mortes por covid.

“Ele [Bolsonaro] desdenha das recomendações dos cientistas; ele tem, repetidamente, semeado descrédito em todas as medidas de proteção, como o uso de máscaras e distanciamento social; promoveu o uso de drogas ineficazes; paralisou a capacidade de coordenação da autoridade federal de saúde; descartou a importância das vacinas; riu dos temores e lágrimas das famílias e disse aos brasileiros para parar ‘de frescura e mimimi’”, relataram as ONGs.

Também salientaram que as medidas econômicas e sanitárias em vigor no país ocorreram por determinação dos poderes Legislativo e Judiciário federal, governadores e prefeitos.

A expectativa de Maria Hermínia Tavares de Almeida agora é que o Conselho de Direitos Humanos “possa olhar mais de perto para o que está acontecendo no Brasil e para o tamanho da tragédia que estamos vivendo sob responsabilidade do governo”. Ela diz que a denúncia se dirige também para a opinião pública internacional, alertando para a gravidade da situação que o país está vivendo.

Para Juana Kweitel, diretora-executiva do Conectas, é “urgente que haja ação da comunidade internacional contra a negligência do presidente Bolsonaro na condução da resposta à pandemia”. Ela nota que “o Brasil representa uma ameaça à saúde global. Esperamos que a ONU e seus países-membros subam o tom em suas críticas ao Brasil e que a pressão internacional faça o governo federal adotar uma resposta à pandemia baseada na ciência”.

Especialistas veem possibilidade de o governo brasileiro ser condenado por tribunal internacional por violações sucessivas de direitos fundamentais à saúde, incluindo a atuação em relação à pandemia. Mas Sylvia Steiner, que foi a única juiz brasileira até agora no TPI, considera que o caminho não é esse tribunal, porque o TPI não tem competência para julgar políticas públicas, ainda que desastrosas.

Segundo Steiner, a competência é mais para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que julga políticas, que pode condenar o governo brasileiro a diversos tipos de reparações às vítimas, coletiva ou individual, se decidir que houve omissão deliberada do governo na má condução das políticas de saude em prevenção da pandemia.

Para observadores, parece cada vez mais evidente no exterior é que Bolsonaro em algum momento vai prestar contas de sua atuação durante a pandemia.