Valor Econômico, n.5208, 16/03/2021. Política, p.A12

 

STJ retoma análise de recursos de Flávio Bolsonaro sobre ‘rachadinhas’

Isadora Peron

16/03/2021

 

 

Continuidade da investigação aberta contra o filho do presidente pode ficar comprometida

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve retomar hoje o julgamento de dois recursos movidos pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) relacionados ao caso das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O habeas corpus apresentado pelos advogados de Fabrício Queiroz, apontado como operador do esquema, também está na pauta da Quinta Turma da corte.

Se os ministros mantiverem a posição de 23 de fevereiro, quando foi analisado o primeiro recurso e o colegiado decidiu, por maioria, anular as quebras de sigilo impostos a Flávio, a continuidade da investigação aberta contra o filho do presidente Jair Bolsonaro ficará comprometida.

Flávio, Queiroz e outras 15 pessoas foram denunciados no caso das “rachadinhas” pelo Ministério Público do Rio no ano passado. O esquema consistia na devolução de parte do salário de funcionários do gabinete da Alerj do então deputado estadual.

A análise dos recursos foi interrompida pelo relator, Felix Fischer, no julgamento de fevereiro, após ele ficar vencido no debate sobre a quebra de sigilos.

Por 4 a 1, os ministros acompanharam o voto de João Otávio de Noronha. O argumento foi que faltou fundamentação jurídica para autorizar a medida, que havia sido tomada em 2019 pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, responsável pelo caso na primeira instância.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão do STJ. O recurso extraordinário pede que o caso seja enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que as quebras de sigilo sejam mantidas. O subprocurador-geral da República Roberto Thomé, responsável pelo caso, argumentou que a medida cumpriu os requisitos legais e constitucionais e, portanto, deve ser mantida.

O recurso da PGR ainda será avaliado pelo STJ, a quem cabe dizer se a peça cumpre os requisitos necessários para ser enviada ao Supremo.

Hoje, voltam à pauta dois recursos de Flávio sobre a mesma investigação. Um deles questiona o compartilhamento, com o Ministério Público, de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que mostrou movimentações atípicas do senador.

Em seu voto, Noronha já se manifestou para que a medida também seja anulada. Para o ministro, o Coaf promoveu “indevida intromissão na intimidade e privacidade” de Flávio. “O Coaf não é órgão de investigação e muito menos de produção de prova. Ele não pode ser utilizado como órgão auxiliar do Ministério Público”, afirmou.

Os relatórios de inteligência financeira foram a base da investigação sobre os desvios dos salários que deveriam ser pagos a funcionários de Flávio na Alerj.

O outro recurso de Flávio tenta anular todas as decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana.

Há ainda na pauta o habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz, que cumpre regime domiciliar. O ex-assessor de Flávio é amigo de longa data do presidente. Ele foi preso, em junho do ano passado, em um imóvel do advogado Frederick Wassef. Ele chegou a anunciar que se afastaria do caso, mas em fevereiro voltou a representar o senador nas sessões do STJ.

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Presidente também teria esquema

Cristian Klein

16/03/2021

 

 

Quebra de sigilos bancário e fiscal do caso Flávio indica que funcionários de Jair Bolsonaro, quando deputado federal, faziam devolução ilegal de salários

Indícios de que o esquema de peculato (“rachadinha”) - com a devolução ilegal de salários - também ocorreu no gabinete de Jair Bolsonaro (sem partido), quando o atual presidente da República era deputado federal, aparecem nos dados da quebra dos sigilos bancário e fiscal de pessoas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de acordo com reportagens publicadas ontem pelo “UOL”.

Os dados analisados mostram transações financeiras suspeitas realizadas entre a segunda mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, e a ex-cunhada do presidente, Andrea Siqueira Valle. Em janeiro de 2008, 14 meses depois que a irmã deixou o gabinete de seu então marido, na Câmara, Ana Cristina ficou com todo o dinheiro que restava na conta que Andrea utilizava para receber o salário. O valor da transferência, de R$ 53.643,00, equivale hoje a R$ 110 mil.

No mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a quebra de sigilos bancário e fiscal no caso Flávio Bolsonaro. Mas o “UOL” afirma que obteve acesso aos dados em setembro do ano passado e que considera haver interesse público na divulgação das informações.

Nesses seis meses, o portal diz ter analisado 607.552 operações bancárias distribuídas em cem planilhas - uma para cada suspeito que teve a quebra de sigilo determinada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio. O magistrado estava responsável pelo caso que, segundo denúncia do Ministério Público do Rio, aponta os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

As quatro reportagens mostram, no entanto, que o suposto esquema não era exclusividade de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Envolveria práticas semelhantes e estaria conectado com a devolução de salários de funcionários contratados pelo pai Jair e pelo irmão e vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). As “rachadinhas” incluíam alguns dos mesmos personagens, muitos deles parentes da segunda mulher do presidente da República.

Ana Cristina e Bolsonaro tiveram um relacionamento estável entre 1998 e 2007. Ela é mãe de Jair Renan, o quarto dos cinco filhos do presidente. Sua irmã Andrea foi lotada no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro entre setembro de 1998 e novembro de 2006.

Apesar do emprego e de ter conta bancária dentro da Câmara, Andrea nunca morou em Brasília. Nem na casa que declarou à Receita Federal em 2007 e 2008. Na residência, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, viviam sua irmã e Bolsonaro. Andrea morava em Resende, região sul fluminense, “onde fazia diferentes serviços gerais, a exemplo de faxinas”, relata o portal. Além de Andrea, 17 parentes de Ana Cristina foram contratados por Jair, Flávio ou Carlos Bolsonaro.

Depois de se desligar da Câmara dos Deputados, Andrea tornou-se funcionária de Carlos na Câmara de Vereadores. Em 2008, foi contratada por Flávio na Alerj, onde ficou por mais uma década. “Nesse período nunca pisou na casa legislativa. Sua principal ocupação era se preparar para participar de campeonatos de fisiculturismo”, afirma a reportagem.

Em duas décadas, Andrea recebeu cerca de R$ 2,25 milhões em valores atualizados, considerando salários brutos. “Mesmo assim, chegou a ter a conta de luz cortada, em Resende, e entrou na Justiça do Rio para pedir o religamento em março de 2010”, relata o portal.