Valor Econômico, n.5212, 22/03/2021. Brasil, p.A8

 

Com segunda onda, prisões veem óbitos disparar 190% no 1º bimestre

Isadora Peron

22/03/2021

 

 

Plenário do CNJ analisa amanhã novas recomendações para sistema prisional feitas por Fux, mas ONGs criticam texto

Um ano depois do início da pandemia no Brasil, o sistema prisional brasileiro também começa a sentir a impacto da segunda onda, enquanto espera pelo início da campanha de vacinação contra a covid-19. A primeira morte no sistema prisional aconteceu no dia 15 de abril de 2020. De lá pra cá, de acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já foram registrados 308 óbitos, entre presos e servidores.

De acordo com dados do órgão, somente nos primeiros dois meses deste ano, houve um aumento de 190% no número de mortes, se comparado ao último bimestre de 2020.

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, também monitora a evolução da covid-19 nas cadeias, mas divulga apenas o número de óbitos entre presos, que na sexta-feira era de 143.

Entidades apontam, porém, que os dados oficiais estão longe de refletir a realidade, já que nas cadeias superlotadas é impossível manter o distanciamento social. Também afirmam que não estão sendo realizados testes em quantidade suficiente.

“Estimar o tamanho da defasagem é tentar construir registro e memória sobre um genocídio em curso, apagado nos dados oficiais, subnotificado pela ausência de um número efetivo de testagens, de um tratamento digno em relação às mortes no sistema prisional, e de dados oficiais sobre saúde, que ainda antes da pandemia não representavam, de fato, a realidade carcerária”, afirma a pesquisadora Nina Barrouin, do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Em março do ano passado, no início da pandemia, o então presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, editou uma recomendação para estimular a soltura de presos que cometerem crimes leves e se enquadravam no grupo de risco para a nova doença.

Na época, a medida foi bastante elogiada pela sociedade civil, mas criticada pelos setores mais punitivistas. O então ministro da Justiça, Sergio Moro, fez ressalvas à medida, dizendo que isso poderia trazer riscos para a segurança da população.

Na semana passada, o atual presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, editou uma nova recomendação e manteve as alterações que já tinha fixado no ano passado, para excluir o benefício para pessoas condenadas por crimes como organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção.

O novo texto vai ser submetido ao plenário do órgão amanhã, mas tem sido criticado por pecar pela “omissão”. “Além da não priorização de medidas desencarceradoras, como recomendado por órgãos internacionais, o texto é bastante vago no que diz respeito à vacinação, não cobrando um plano efetivo e amplo”, diz a pesquisadora do Iser.

Essa também é opinião do advogado Gabriel Sampaio, coordenador de enfrentamento à violência institucional da Conectas Direitos Humanos. “O sistema prisional no Brasil já é reconhecido por seu estado de coisas inconstitucionais antes da pandemia. Numa fase mais grave da contaminação do vírus é importante que medidas mais urgentes sejam tomadas.”

Ele defende ainda como um serviço “essencial” do sistema de justiça a realização de audiências de custódia presencias, e não por videoconferência, como tem ocorrido por conta da pandemia. “O Estado precisa garantir essa modalidade de audiência. Ela é a forma mais eficaz para o combate à tortura e aos maus tratos nas prisões.”

Para o advogado, se o Estado é capaz de efetuar a prisão de uma pessoa na pandemia, teria que ter capacidade para garantir a proteção sanitária para a realização das audiências presenciais.

Assim como outras informações do sistema prisional, não está claro quantas pessoas foram colocadas em liberdade a partir da recomendação do CNJ. A última atualização desses dados é de junho de 2020, quando se registrou a soltura de 35 mil presos em razão da pandemia.

Estudos do órgão, no entanto, apontam que a medida não resultou, como temiam algumas autoridades, em uma onda violência generalizada nas ruas. Também não se confirmou a hipótese de que as pessoas que fossem soltas iriam voltar a cometer crimes. Dados de quatro tribunais compilados pelo CNJ apontaram uma reentrada de menos de 2,5% de pessoas liberadas em razão da pandemia.

Em nota, o CNJ afirmou que, na sessão de amanhã, serão analisadas algumas sugestões feitas por conselheiros ao texto da recomendação. Uma delas é constar previsão para que os magistrados observem a priorização do calendário do Plano Nacional de Imunização contra a covid-19. Também deve ser incluída como “prioridade” a retomada das audiências de custódia presenciais, mas somente após o retorno do funcionamento normal do Judiciário.