Valor Econômico, n.5214, 24/03/2021. Política, p.A8

 

Presidente chega goleado à reunião dos Três Poderes

Maria Cristina Fernandes

24/03/2021

 

 

Pronunciamento na TV e nomeação de ministro não fazem sombra às derrotas do presidente frente à aglutinação de forças contrárias

Pelo esforço de montar retaguarda às vésperas do encontro entre os Três Poderes, o presidente Jair Bolsonaro parece estar a caminho da guerra. Pela debilidade de seus resultados, porém, já chegará derrotado.

Primeiro entregou ao cardiologista Marcelo Queiroga um termo de posse no Ministério da Saúde que permaneceu sem validade por quatro horas até sua publicação no “Diário Oficial”. Depois convocou rede nacional de rádio e televisão para um script descolado da realidade do cronograma da vacinação que o Ministério da Saúde havia acabado de reconhecer atrasado.

A reunião de hoje havia sido planejada pelo Palácio do Planalto para demonstrar iniciativa do presidente da República. Como a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao tabuleiro eleitoral passou a ameaçar a unidade da base política do governo, convinha demonstrar que Jair Bolsonaro ainda mantinha capacidade de conduzir o jogo. Só que não.

O reforço demonstrou que o presidente sentiu o golpe da aglutinação de forças crescente desde a carta dos economistas, empresários e banqueiros. Havia a expectativa de que a reunião, ao formalizar um comitê de enfrentamento da covid-19, poderia vir a dividir as responsabilidades sobre a explosão de mortalidade da pandemia. O diagnóstico crítico com sugestões para o enfrentamento da pandemia, porém, aglutinou representantes de peso do PIB nacional, usualmente pouco afeitos à exposição pública, às posições que têm sido defendidas pelo Congresso, pelo Supremo e pelos governadores, isolando o presidente da República na resistência a medidas como o isolamento social.

 

A ofensiva de Bolsonaro também parece débil ante a goleada da pandemia. Em meio à troca de ministros, a pasta mudou, pela sexta-vez, o cronograma de entrega de vacinas até 31 de abril e perdeu 10 milhões de doses. Até a semana passada, estavam previstas 30 milhões de doses ao longo do próximo mês. Na tarde de terça-feira anunciou-se que apenas 21,1 milhões da vacina Fiocruz/Oxford envasada no Brasil serão entregues. Também sumiu da previsão a entrega de 1 milhão de doses da vacina Pfizer /Biontech, como havia anunciado o governo depois da conferência virtual do presidente da República com o presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla.

 

 

O presidente ainda enfrentou a derrota, no Supremo Tribunal Federal, de sua tentativa de derrubar os decretos dos governos do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul pelo isolamento social. O ministro Marco Aurélio Mello indeferiu o pedido.

 Tampouco estava nos planos de Bolsonaro a pauta da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Com a mudança no posicionamento da ministra Cármen Lúcia, o ministro Kassio Nunes, o único indicado por Bolsonaro, ficou vencido em seu voto contra a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Com a decisão, fica mais difícil para Bolsonaro tirar Lula da disputa de 2022.

Nenhum dos revezes do presidente que chega nesta quarta feira para enfrentar os demais Poderes da República, porém, é maior do que o novo recorde da covid-19 em 24 horas registrado nesta terça-feira: 3.251 mortes.