Valor Econômico, n.5216, 26/03/2021. Política, p.A12

 

Relator remaneja R$ 26,5 bilhões de despesas do Orçamento

Vandson Lima

Raphael Di Cunto

26/03/2021

 

 

Recursos saem de gastos obrigatórios para abastecer emendas que irão para obras do MDR

( Esta reportagem foi atualizada para corrigir uma versão anterior que afirmava erroneamente que o corte nos recursos para realização do Censo em 2021 era de R$ 1,76 bilhão. Na verdade, o corte foi maior, de R$ 1,929 bilhão. O texto abaixo já está corrigido.)

O Congresso Nacional encaminhou ontem a aprovação da proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021.

Até o fechamento desta edição, a proposta já havia recebido o aval da Câmara dos Deputados e tinha se iniciado a análise no Senado, com perspectiva de aprovação. O relator-geral, senador Márcio Bittar (MDB-AC), apresentou uma complementação de voto com remanejamento de despesas de R$ 26,5 bilhões.

Para isso, ele retirou recursos que estavam destinados a gastos com benefícios previdenciários (R$ 13,5 bilhões), abono salarial (R$ 7,4 bilhões) e para seguro-desemprego (R$ 2,6 bilhões) e abasteceu emendas voltadas à realização de obras por meios dos Ministérios do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Infraestrutura.

 

As mudanças agradaram políticos que têm nestas obras uma vitrine eleitoral. O MDR, que na proposta original tinha apenas R$ 6,4 bilhões previstos alcançou quase R$ 21 bilhões em recursos (pouco mais de R$ 20,8 bilhões). Ganhou mais R$ 10,2 bilhões na complementação, além dos R$ 10,6 bilhões que já tinha obtido.

 Os cortes, contudo, geraram polêmica por se tratarem de gastos obrigatórios. Relatório do Ministério da Economia de segunda-feira diz que as receitas da Previdência Social já estão subestimadas, na proposta enviada no ano passado, em R$ 8 bilhões. O relator disse que o combate a fraudes, a reforma da Previdência e uma medida provisória (MP) que mudará as regras do auxílio-doença reduzirão os gastos e ontem cortou mais R$ 13 bilhões.

Bittar defendeu as mudanças. “Milhões de trabalhadores esparramados pelo país iriam ter que cruzar os braços, se nós não déssemos um jeito de descobrir uma fonte para conseguir suplementar o Orçamento da Infraestrutura, do MDR. A peça aprovada é a que foi possível”, justificou.

Para superar a obstrução feita pela oposição, o líder do governo, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), firmou um compromisso para que seja feita futuramente uma recomposição de recursos que foram retirados na proposta para universidades federais e para a realização do Censo Demográfico de 2021.

“O Censo permite justiça e isonomia. Para a vida econômica dos municípios, é fundamental. Temos um compromisso com a oposição de recomposição do orçamento do IBGE”, disse Gomes. A reposição dos recursos seriam feitas com alterações em algum projeto de crédito enviado pelo governo. Márcio Bittar (MDB-AC) cortou R$ 1,929 bilhão dos recursos previstos para o Censo Demográfico de 2021. Dos R$ 2 bilhões anteriormente previstos, Bittar estabeleceu um gasto total de R$ 71 milhões. Os recursos cortados foram distribuídos para outras áreas. No caso das universidades, o corte foi de R$ 1,1 bilhão.

De acordo com levantamento feito pelo PT, a complementação de voto destinou R$ 8,5 bilhões para o Ministério da Saúde (grande parte deles, também em obras indicadas pelos parlamentares) e em R$ 2,3 bilhões para o Ministério da Agricultura (a própria ministra Tereza Cristina tinha pedido, contudo, que R$ 2,5 bilhões em subvenções fossem remanejadas).

Outros ministérios que receberam aporte adicional de verbas nesta quinta-feira foram o da Cidadania (R$ 1,3 bilhão), Infraestrutura (R$ 1,1 bilhão), Educação (R$ 1 bilhão), Defesa (R$ 515 milhões), Justiça e Segurança Pública (R$ 355 milhões), Economia (R$ 352 milhões), Turismo (R$ 272 milhões), Ciência (R$ 205 milhões) e Comunicações (R$ 39 milhões).

O emedebista disse que o Orçamento enviado pelo governo federal obrigaria que os ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, teriam que escolher que obras continuar e que obras parar e que o Ministério da Economia ficou de enviar uma solução ao Congresso, mas não fez isso. “E nós ficamos com a missão de decidir de onde tirar o recurso e obras tão importantes para o Brasil não sejam paralisadas”, disse.

Para a deputada Sâmia Bonfim (Psol-SP), a mudança é “escandalosa”. “Bolsonaro falou que não tiraria dinheiro do abono, dos pobres, para os paupérrimos. Agora está tirando do abono, dos pobres, para dar aos militares e para emendas parlamentares”, afirmou.

O governo aprovou uma mudança no pagamento do abono salarial para que os pagamentos que ocorreriam no segundo semestre fiquem para 2022, o que liberou R$ 7,2 bilhões em gastos. Inicialmente, a ideia de parte da equipe econômica do Executivo era que esse dinheiro custeasse o programa de preservação dos empregos, mas os parlamentares usaram para obras.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para burlar o teto, a moda agora é cortar despesa obrigatória

Ribamar Olieveira

26/03/2021

 

 

Este jogo pode ter sérias consequências

No passado, os deputados e senadores aumentavam a previsão das receitas da União para, com este artifício, ampliar suas emendas ao Orçamento. Isto foi feito durante décadas. Todo ano, no entanto, o governo contingenciava as emendas.

A alegação para o contingenciamento, nem sempre verdadeira, era que o aumento previsto da receita não havia se concretizado e que a liberação dos recursos poderia comprometer a meta fiscal. Na prática, a liberação das verbas das emendas era feita a conta gotas e utilizada como moeda de troca pelo governo, qualquer que fosse ele, para aprovação de suas proposições no Congresso Nacional.

Para sustentar a prática de revisão das receitas da União, os parlamentares se valiam do Artigo 166 da Constituição, que permite emendas ao projeto de lei orçamentária anual para corrigir “erros e omissões”. Por razões insondáveis, os técnicos do governo sempre encaminhavam ao Congresso estimativas de receita abaixo do que seria realizado, avaliavam os parlamentares. Essa mania de esconder o real tamanho da receita era prontamente “corrigida” pelos deputados e senadores.

Tudo isso mudou com o teto de gastos da União, instituído pela Emenda Constitucional 95. Como o projeto de lei orçamentária é elaborado pelo governo com as despesas no limite do teto, não adiantava aos parlamentares aumentar a receita. Qualquer aumento não dava margem para mais despesa. Apenas melhorava a meta fiscal. Então, de repente, os parlamentares passaram a achar que as estimativas de receitas do governo refletiam a realidade.

Desde a década de 1990, deputados e senadores defendiam o chamado Orçamento impositivo. Em 2015, o Congresso aprovou a emenda constitucional (EC) 86 que tornou obrigatória a execução das emendas individuais de deputados e senadores, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida da União.

Não satisfeitos com isso, em 2019, os parlamentares aprovaram a EC 100, tornando obrigatória a execução também das emendas de bancada estadual. A mesma emenda determina que o governo tem obrigação de executar as programações orçamentárias, o que torna o Orçamento impositivo.

A participação dos parlamentares na destinação das verbas do Orçamento foi substancialmente ampliada quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), já por dois exercícios seguidos, deu às emendas de comissão e de relator-geral o mesmo tratamento obrigatório conferido às emendas individuais e de bancada estadual.

A ampliação das emendas esbarrava, no entanto, no teto de gastos. Deputados e senadores começaram a buscar saídas para a situação e encontraram duas, sendo uma delas muito perigosa. A primeira foi cancelar programações de investimento e custeio feitas pelo Executivo e substituí-las pelas suas. Com isso, no ano passado, eles controlaram a maior parte dos investimentos da União.

A segunda saída consiste em simplesmente reduzir as despesas obrigatórias programadas pelo Executivo. No ano passado, o relator-geral do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), diminuiu a despesa com pessoal com o argumento de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186 previa o corte na jornada de trabalho dos servidores, com a consequente redução dos salários. A medida não foi aprovada, mas ele usou os recursos para bancar emendas.

Neste ano, o relator-geral Márcio Bittar (MDB-CE) foi mais longe. Primeiro, ele subestimou as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, pois no cálculo das previsões utilizou um salário mínimo de R$ 1.067,00. Em seguida, ele cortou R$ 26,5 bilhões das despesas obrigatórias, sendo R$ 13,5 bilhões dos benefícios previdenciários. É assim que os parlamentares estão abrindo o espaço no teto, ou seja, burlando o teto para acomodar suas emendas. Não cabe ao Congresso estimar despesas obrigatórias. Este é um jogo perigoso que terá sérias consequências.