Valor Econômico, n.5216, 26/03/2021. Política, p.A20

 

Pressionado, Bolsonaro busca substituto para Araújo

Andrea Jubé

Fabio Murakawa

Marcelo Ribeiro

26/03/2021

 

 

Bolsonaro resiste e reúne líderes para encontrar saída; Nelsinho Trad é cotado para o cargo

Em meio ao agravamento da pandemia, em que o Congresso intensificou a ofensiva por mudanças na condução da política externa, o presidente Jair Bolsonaro começou a procurar um substituto para o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Bolsonaro advertiu aliados, entretanto, que não agirá sob pressão e não deixará o auxiliar, expoente da ala ideológica, na chuva.

Num primeiro momento, Bolsonaro cogita afastar do Palácio do Planalto o assessor especial Filipe Martins, que se indispôs com os senadores, para dar sobrevida a Araújo. “Se ele demitir o Ernesto [Araújo] agora, vai parecer que o [Arthur] Lira nomeia e demite ministro”, explicou ao Valor um aliado do núcleo mais próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), autor da cobrança mais incisiva e direta sobre a condução do Itamaraty na reunião com governadores no Palácio da Alvorada na quarta-feira. No mesmo dia, mais tarde, Araújo também sofreu constrangimento no debate com senadores sobre a gestão da pandemia.

A crise em torno de Araújo estendeu-se sobre o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, após sua desastrada participação na audiência de Araújo com os senadores. Naquela sessão, as câmeras da TV Senado flagraram o assessor presidencial fazendo um gesto que vem sendo associado aos supremacistas brancos, justamente atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que discursava naquele momento.

Martins defendeu-se em seu perfil oficial no Twitter, alegando que estava ajeitando a lapela de seu terno. Mas Pacheco determinou que a polícia legislativa o intimasse para dar explicações.

Discípulo de Olavo de Carvalho, e ligado aos filhos do presidente, Martins foi aconselhado a submergir. Bolsonaro avalia se a saída dele do governo, ou, ao menos do palácio, teria o condão de esfriar a crise e dar fôlego ao chanceler.

Foi nessa conjuntura de tensão que Bolsonaro revezou-se ontem em reuniões no Planalto e no Alvorada com lideranças do Congresso para discutir o futuro de Araújo e de Martins.

O presidente reuniu-se com Arthur Lira; com o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) e Ernesto Araújo; depois, com um grupo de senadores alinhados com o Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Márcio Bittar (MDB-AC), Nelsinho Trad (PSD-MS), Mecias de Jesus (Republicanos-RR).

Nelsinho Trad tem sido um dos cotados para substituir Araújo, inclusive porque foi presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado. Os deputados, entretanto, preferem um diplomata de carreira, para evitar atritos com a ala ideológica, que apoia Araújo.

Apesar da ofensiva das duas Casas sobre Araújo, o Valor apurou que os parlamentares querem “dosar a pressão” para evitar reações desproporcionais da ala ideológica do governo.

No encontro com Bolsonaro, o primeiro da agenda oficial, o presidente da Câmara expôs ao presidente as razões da insatisfação de lideranças políticas, e até mesmo dos empresários com quem se reuniu no começo da semana, em relação à atuação do chanceler.

Lira ponderou que as relações diplomáticas com China, Estados Unidos e Índia estão desgastadas, e a avaliação no Congresso é de que uma melhora da interlocução com esses países poderia acelerar a importação de vacinas contra a covid-19.

Foi o que Lira argumentou no discurso de quarta-feira, em que subiu o tom contra o governo. “Para vacinar temos de ter boas relações diplomáticas, sobretudo com a China, nosso maior parceiro comercial e um dos maiores fabricantes de insumos e imunizastes do planeta. Para vacinar temos de ter uma percepção correta de nossos parceiros americanos e nossos esforços na área do meio ambiente precisam ser reconhecidos, assim como nossa interlocução”.

Poucas horas antes de se reunir com Bolsonaro, Lira havia recebido Araújo na residência oficial da presidência da Câmara. Por lá, o ministro apresentou as ações feitas pela pasta no combate à pandemia em busca de um “fôlego final” para permanecer no cargo.

Segundo interlocutores de Lira, durante a conversa com Araújo, o presidente da Câmara reforçou que eram necessárias mudanças na política externa do país para viabilizar a rápida importação de vacinas e, consequentemente, acelerar o ritmo de imunização.

Aliados do presidente da Câmara afirmam, em caráter reservado, que a iniciativa de Ernesto de ir até a residência oficial foi um “movimento tardio” e teve “zero efeito” para reverter a insatisfação do presidente da Casa legislativa.

Enquanto Lira assumiu uma postura mais incisiva em relação à saída de Araújo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tentou calibrar as cobranças sobre Bolsonaro.

No início da tarde, afirmou em entrevista que é possível uma correção de rumos na política externa sem mudar o comando do Itamaraty. Pacheco salientou, sobretudo, que quem nomeia e demite ministros é o presidente da República.

“O que tem que mudar é a política externa do Brasil; isso é algo que está evidenciado a todos. A saída ou entrada de ministros é uma decisão do presidente da República, que tem essa prerrogativa”, destacou.

“A nossa parte, do Congresso Nacional, é colaborar. Há críticas à política externa e cabe ao presidente [Jair Bolsonaro] decidir qual o melhor nome para chanceler, se é o atual ou outro. Nós tivemos muitos erros no enfrentamento à pandemia, um deles foi o não estabelecimento de relações diplomáticas com diversos países”, completou.

Pacheco enfatizou que ainda há tempo hábil para ajustar a política externa.

“Precisamos mudar o rumo da política externa para estabelecer parcerias com o mundo. Nós [Congresso] fizemos um apelo internacional para que houvesse ajuda internacional ao Brasil. O Ministério das Relações Exteriores têm que estar conectado ao Congresso Nacional”, defendeu.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), justificou o posicionamento de Arthur Lira. “Ele entende que Estados Unidos e China é que podem adiantar a vacinação e que Ernesto não tem como reconstruir pontes diplomáticas nestas áreas”, disse Barros ao Valor.

Lideranças políticas ligadas à cúpula do Congresso avaliam que “o momento de desligar o ministro é agora”, já que é nítido seu isolamento, sem respaldo na base aliada e nem mesmo entre pares no governo federal.

Há compreensão, entretanto, de que não é estilo de Bolsonaro agir sob pressão, e que ele “não tomará nenhuma decisão de cabeça quente”.

Se ceder às pressões mais adiante, como ocorreu em relação ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o presidente fará algum gesto que não seja interpretado como “um abandono a um aliado de primeira hora”.

Para integrantes da cúpula do Congresso, a tendência é que a escalada contra Araújo prevaleça nos corredores do Legislativo. O diagnóstico é que a urgência para a importação de vacinas reforça a percepção de “que não há mais clima para Ernesto ficar no cargo”.