Valor Econômico, n.5218, 30/03/2021. Política, p.A7

 

Contra Orçamento travado, Bolsonaro leva Centrão para o Palácio e reforça PF

Maria Cristina Fernandes

30/03/2021

 

 

Reforma ministerial não apaga a luz amarela

Ao deixar intacto o ministro Paulo Guedes, a reforma ministerial promovida pelo presidente Jair Bolsonaro não apaga a luz amarela acendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Foi o impasse sobre as emendas ao Orçamento que a acendeu. A ida da deputada Flávia Arruda (PL-DF), presidente da Comissão de Orçamento que infringiu as normas fiscais vigentes, para a Secretaria de Governo, instância responsável pela negociação das emendas parlamentares, não resolve o imbróglio gerado pela votação de um Orçamento que ameaça deflagrar uma guerra entre a Câmara e o Senado e entre as duas Casas e o Executivo. No pano de fundo desta guerra está a resistência do Congresso em abrir mão de suas emendas, mesmo sob uma pandemia calamitosa, e o protagonismo do ministro Paulo Guedes na maquiagem do teto de gastos.

 

Sob cerco crescente deste impasse, o presidente contra-atacou com o reforço do Estado policial ao indicar o delegado da Polícia Federal, Anderson Torres para o Ministério da Justiça. Torres aproximou-se da família Bolsonaro durante a campanha presidencial. Os dois ministros que o presidente da República foi forçado a tirar do cargo, Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ernesto Araújo, do Itamaraty, caíram atirando contra supostos interesses escusos do Congresso.

Mulher do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, primeiro governador preso no exercício do mandato, e indicada para o cargo pelo presidente do seu partido, Valdemar Costa Neto, que cumpriu pena no escândalo do mensalão por corrupção e lavagem de dinheiro, Flávia leva para dentro do Palácio do Planalto um dos partidos do Centrão que mais se ouriçou com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral. A nova ministra vai reforçar, lá de dentro, o bombardeio sobre o ministro Paulo Guedes, mas não tem como se opor às regras fiscais.

O Congresso acusa Guedes de ter rompido o acordo feito para abrigar as emendas e o Ministro da Economia acusa o Congresso de ter extrapolado o combinado. Os parlamentares resistem à saída, considerada a de mais fácil operacionalidade, que é a de transformar emendas parlamentares em recursos para o custeio dos ministérios. A solução os privaria de faturar os créditos pelas obras e compras que hoje viabilizam com as emendas. Por outro lado, os presidentes da Câmara e do Senado temem perder o selo de interlocutores confiáveis do mercado depois do aval dado ao Orçamento.

O TCU já recebeu duas representações contra o Orçamento, de um grupo de 20 deputados, encabeçado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) e aquela protocolada pelo senador Alexandre Vieira (Rede-SE). Na representação da Câmara, os parlamentares apontam que foram cortados R$ 43 bilhões em despesas obrigatórias de Previdência, seguro-desemprego, abono salarial e Pronaf nas manobras feitas para abrigar as emendas parlamentares e os gastos nos quais o Executivo resistiu a ceder. Na do senador, o ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, é instado a se pronunciar sobre a infração às normas fiscais vigentes.

Lira pediu tempo ao TCU, mas a margem de manobra é escassa. O regimento prevê a mudança do Orçamento desde que os parlamentares tenham identificado erros no texto. Caberia, então ao presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), requisitar o Orçamento votado e submetê-lo novamente às duas Casas. O problema é que Lira quer começar as mudanças retirando os R$ 6 bilhões acrescidos pelo Senado nas últimas horas que antecederam a votação, e não os R$ 8 também acrescidos pela Câmara no apagar das luzes. Como o Congresso tem a prerrogativa de convocar nova votação é presidido por Pacheco, o impasse está dado.

Por isso, as expectativas no Congresso ontem eram de que, se não houver um acordo entre Câmara e Senado por uma nova votação, o presidente da República vetará o texto. A dúvida é saber que motivação os parlamentares terão para manter o apoio ao governo se tiverem que abrir mão das gordas rubricas de suas emendas, mais cruciais do que quaisquer ministérios que pudessem almejar.