Valor Econômico, n.5218, 30/03/2021. Política, p.A13

 

Ministro da Defesa foi demitido por recusar alinhamento

Maria Cristina Fernandes

30/03/2021

 

 

Isolado, Bolsonaro cobra alinhamento ouve um não e demite o ministro

A gota d’água que levou o caldeirão de insatisfações do presidente da República com o ministro Fernando Azevedo e Silva a transbordar foi a notícia de que o Exército já se prepara para uma terceira onda da covid-19. Bolsonaro cobrou punição, o ministro da Defesa recusou e foi demitido. O isolamento crescente do presidente da República do Congresso e do Judiciário o levou a cobrar um alinhamento que as Forças Armadas já não estão mais dispostas a demonstrar. O ministro da Defesa, como disse na sua nota de despedida, atuou pela “preservação das Forças Armadas como instituições de Estado”.

Dez dias depois de o presidente dizer que “meu Exército” não cumpriria ‘lockdown’, o general Paulo Sérgio, responsável pelo setor de recursos humanos da Força, disse neste domingo ao “Correio Braziliense” que o recrudescimento das mortes na Europa o havia alertado para a possibilidade de uma terceira onda da covid-19. Em função disso, contou o general, o Exército reforçou as medidas de distanciamento e de segurança sanitária para manter o baixo índice de mortalidade da instituição, de 0,13%, em comparação com os 2,5% da população em geral. Ficou patente que as medidas do Exército estão em confronto com as recomendações do comandante-em-chefe, que cobrou uma punição para o general. O Exército recusou-a e Azevedo e Silva caiu.

Os comandantes do Exército, Edson Leal Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa Jr, e da Aeronáutica, Antonio Bermudez, reuniram-se ontem à tarde para afinar posições. A saída de Fernando Azevedo e Silva foi seguida de especulações de que o general Pujol também poderia vir a ser tirado do cargo. Uma decisão como esta, porém, teria repercussões muito maiores do que a troca de Azevedo e Silva porque seria uma interferência direta no Exército e despertaria reações no Alto Comando do Exército, onde a conduta do presidente da República é majoritariamente reprovada. A última troca de um comandante do Exército aconteceu em 1977, quando Ernesto Geisel derrubou Sylvio Frota.

A morte do soldado Wesley Soares na Bahia também jogou lenha nesta fogueira. O soldado da Polícia Militar foi morto ontem pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) depois de pregar um motim contra o governador baiano, Rui Costa (PT) por conta das medidas restritivas para o combate à pandemia. Antes de ser morto, Wesley Soares chegou a disparar seu fuzil contra os policias do Bope que o cercaram.

Ainda no domingo, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis (PSL-DF), chegou a tuitar em solidariedade ao soldado: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal”. Na manhã de ontem, a deputada voltou às redes sociais para apagar o post, justificando que seria necessário aguardar as investigações ante o “reconhecimento da fundamental hierarquia militar”.

O deputado Eduardo Bolsonaro, porém, não recuou. “Aos vocacionados em combater o crime, prender trabalhador é a maior punição. Esse sistema ditatorial vai mudar. Protestos pipocam pelo mundo e a imprensa já não consegue abafar. Estão brincando de democracia achando que o povo é otário. Que Deus conforte os familiares do PM-BA”. Horas depois, compartilhou entrevista em que uma liderança policial chamava o soldado de “herói”. O governo federal também quer cultuá-lo. O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, pretende incluí-lo entre as “personalidades negras” da instituição.

“Policiais militares receberam ordens para deletar e não postar conteúdos relacionados à morte do soldado Wesley Soares e também sobre outros temas”, tuitou Eduardo Bolsonaro ao compartilhar a entrevista. A hierarquia e a disciplina são os valores que o comando das Forças mais temem ver abalados durante o governo de um presidente que costuma prestigiar atos e formaturas das tropas e a elas se dirigir diretamente. A proibição da tropa postar mensagens de conotação politica foi uma das primeiras medidas tomadas pelo comandante do Exército, Edson Leal Pujol, ao assumir o cargo no início do governo Bolsonaro.

Tudo isso aconteceu a 72 horas do 31 de março, dia em que o golpe militar completa 57 anos. Uma nota provocadora sobre a atuação das Forças Armadas na ordem interna ornaria com a reação destemperada do presidente ao isolamento crescente, mas é tudo o que os militares querem evitar.

A substituição de Azevedo e Silva pelo atual ministro da Casa Civil, o general Braga Netto, tende a ser bem recebida pelos 16 generais do Alto Comando e, principalmente, pelo general Pujol, de quem Braga Netto foi colega na Cavalaria. O novo ministro da Defesa era o chefe do Estado Maior de Pujol quando foi chamado para assumir a Casa Civil.