Valor Econômico, n.5218, 30/03/2021. Política, p.A12

 

Bolsonaro muda seis ministros de uma vez

Andrea Jubé

Daniel Rittner

30/03/2021

 

 

Presidente entrega Araújo, mas promove reforma numa tentativa de mostrar que é refém dos aliados

 

 

Pressionado pelo “sinal amarelo” do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro aceitou entregar a cabeça do chanceler Ernesto Araújo, um expoente da ala ideológica, para não perder o apoio do Centrão. Mas em uma reação surpreendente, na tentativa de afastar a imagem de que teria se tornado refém dos aliados, anunciou, de uma só tacada, seis trocas oficiais no primeiro escalão para afinar o time e afastar aqueles que não estavam comprometidos com o governo. 

Na definição de uma fonte do Palácio do Planalto, que acompanhou de perto a dança das cadeiras, chegou a hora do presidente “colocar as peças certas nos lugares certos”.

A fonte atribuiu o combo de mudanças na equipe à sucessão de fatos das últimas semanas, que incluiu também a substituição do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde pelo médico Marcelo Queiroga, uma outra demanda do Centrão.

Além de substituir dois auxiliares considerados de lealdade máxima - Pazuello e Araújo -, Bolsonaro irritou-se com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) mantendo atos de isolamento social, como o toque de recolher nos Estados, favorecendo os governadores, a quem o presidente acusou indiretamente de “esticar a corda”. É na esteira da insatisfação com o STF que o presidente dispensou até mesmo o ministro da Advocacia-Geral da União, José Levi.

Esse é o pano de fundo das seguintes mudanças anunciadas ontem: o embaixador Carlos Alberto Franco França assume o Ministério das Relações Exteriores; o agora ex-ministro-chefe da Casa Civil, general da reserva Walter Souza Braga Netto, assume o Ministério da Defesa no lugar de Fernando Azevedo e Silva.

A substituição na Defesa deve culminar na mudança dos três comandantes militares Edson Pujol (Exército), tenente-brigadeiro do Ar Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica), e almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior (Marinha), que devem colocar seus cargos à disposição.

O também general da reserva Luiz Eduardo Ramos, atual chefe da Secretaria de Governo (Segov), assume a Casa Civil.

Para o lugar de Ramos, Bolsonaro decidiu colocar a deputada federal Flávia Arrruda (PL-DF), que deixa a presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO).

Flávia é um dos nomes de confiança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem sido interlocutor frequente de Bolsonaro na crise com o Congresso. Sua nomeação também contempla o PL, que reivindicava um lugar na Esplanada, e que flerta com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou ao jogo político.

Aliados do presidente da Câmara avaliam que, com as mudanças anunciadas ontem, Bolsonaro procurou esvaziar a tese de que a pressão do Congresso foi determinante para a saída de Araújo. O presidente estaria determinado a não passar a imagem de que o governo vive um momento de fragilidade, e se tornou submisso ao Centrão.

“O presidente começou o dia acuado e pressionado. Com a reforma, ele tenta diluir a demissão de Araújo e emplacar a narrativa de que continua dando as cartas em seu governo”, apontou uma liderança do Centrão.

André Mendonça deixa o Ministério da Justiça para retornar à Advocacia-Geral da União (AGU) no lugar de José Levi. Em seu lugar, assume Anderson Torres, atual secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e delegado de carreira da Polícia Federal. A nomeação de Torres reaproxima a bancada da bala do governo federal, que andava insatisfeita com Bolsonaro.

A mudança no comando da política externa deve agradar o Congresso, e, ao mesmo tempo, não frustrar a ala ideológica.

Bem visto pelos colegas no Itamaraty, o embaixador Carlos França sempre foi um diplomata discreto e que evitou conflitos ou arroubos. Seu último posto no exterior foi como ministro-conselheiro na embaixada do Brasil em La Paz.

Ele sempre teve especial interesse na integração energética da América do Sul e escreveu sua tese no curso de altos estudos do Instituto Rio Branco sobre a possibilidade de erguer usinas hidrelétricas binacionais na fronteira com a Bolívia.

De volta a Brasília, França licenciou-se pouco depois e assumiu o comando do escritório da Andrade Gutierrez na capital. Foi pouco antes do eclosão da Lava-Jato. A ideia da empreiteira era ter no diplomata um “resolvedor de problemas” em temas como o financiamento às exportações de serviços de engenharia, principalmente por meio de créditos do BNDES, na América Latina e na África.

Em 2019, França foi promovido a ministro de primeira classe (embaixador). No entanto, nunca chefiou representações brasileiras no exterior. Além da Bolívia, ele acumula passagens por Assunção e Washington. Há alguns meses saiu do cerimonial da Presidência e foi deslocado para a chefia da assessoria especial de Bolsonaro.

A mudança mais sensível foi o comando do Ministério da Defesa. Segundo interlocutores, Bolsonaro sentia que o general da reserva Fernando Azevedo “não defendia o governo”, e estava incomodado com a “postura discreta” tanto dele quanto do comandante do Exército, Edson Pujol. Bolsonaro sentia falta de Pujol nos eventos públicos ao seu lado.

Uma fonte militar afirma que Azevedo deixou nas entrelinhas de sua nota de despedida o motivo de sua saída do ministério. Na nota, ele afirma: “Nesse período [como ministro da Defesa], preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”.

Em contrapartida, não houve prejuízos na relação com o STF na saída de Fernando Azevedo, que havia sido assessor especial de Dias Toffoli, quando este presidiu a Corte.

A indicação de Braga Netto para a Defesa foi bem recebida na Corte. Braga Netto também é visto como um “bom interlocutor” entre o Palácio do Planalto e a Corte.

A avaliação é de um ministro do Supremo, que aponta que Azevedo e Silva deixou o cargo porque estava insatisfeito, não era ouvido pelo presidente Jair Bolsonaro, e, principalmente, porque se recusou a “politizar” as Forças Armadas.

No STF, o agora ex-ministro era visto como uma garantia de que os militares continuam ao lado da democracia.

Outro motivo apontado para que ele deixasse o cargo é o fato de o ex-ministro ser contra as mudanças no governo para acomodar interesses do Centrão.

O presidente do STF, Luiz Fux, conversou com Azevedo e Silva, após a notícia de que ele sairia do ministério. Apesar das mudanças, ele estaria “tranquilo” em relação à postura das Forças Armadas.

No Supremo, o troca-troca na Advocacia-Geral da União (AGU) e no Ministério da Justiça e Segurança Pública também foi avaliado como uma acomodação dos interesses dos parlamentares do novo bloco de sustentação do governo.

Com a saída de José Levi da AGU e a volta de André Mendonça para o posto, isso abriria espaço para uma indicação política para a área da Segurança, que é cara ao Centrão.

Essas alterações, no entanto, não causariam preocupação entre os ministro da Corte, porque fariam parte do realinhamento político do governo, e não teriam o poder de abalar a estabilidade institucional.

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Chanceler muda, mas a cara do Brasil no exterior é o presidente

Assis Moreira

30/03/2021

 

 

 

 

 

 
 

Na Europa, a questão mais importante para a imagem do Brasil envolve proteção do meio ambiente

A queda de Ernesto Araújo do posto de ministro das Relações Exteriores não altera várias dificuldades que o Brasil enfrenta na Europa e que tendem a continuar complicando negócios e relações com parceiros.

Na Europa, o problema maior tem a ver com o presidente Jair Bolsonaro e não com o estilo de seu chanceler. A resistência maior está relacionada a posições de Bolsonaro em matéria de meio ambiente, péssima gestão da crise sanitária, agenda de valores (direitos humanos, proteção dos povos indígenas etc).

Por si só, pelo menos na percepção de democracias ocidentais, a troca de chanceler apenas não resolve, portanto, o problema da imagem tóxica do atual presidente do Brasil.

No entanto, um chanceler poderia ajudar a matizar essa imagem. Mas, para isso, precisa conseguir modular certas posições e discursos confrontacionistas, abrasivos e obscurantistas de Bolsonaro e seu governo.

A questão que se coloca sobre o futuro ocupante do Itamaraty é se ele vai ser um novo Ernesto Araújo ou Ricardo Salles, que acentuam o estilo mais polêmico de um presidente já altamente desrespeitado no exterior. Ou se tenderá a ser uma Tereza Cristina, a ministra da Agricultura, conservadora com imagem mais equilibrada na cena internacional.

Pelo contexto atual, com Bolsonaro quase nas cordas, seria de se esperar do próximo chanceler brasileiro ser uma espécie de Tereza Cristina das relações exteriores. E, como porta-voz no plano internacional, possa o novo chanceler, ao contrário de Ernesto Araújo, modular o lado ideológico e mais contencioso do presidente e aliados próximos.

A avaliação em círculos na Europa, que conhecem bem o Brasil, é de que é muito improvável que Jair Bolsonaro fizesse necessariamente questão que Ernesto Araújo repetisse certas posições dele, como atritos com a China e o reforço da agenda polêmica da ministra Damares Alves.

Araújo não precisava fazer o que fez. Mas, sendo um chanceler acidental, ele ecoou o radicalismo, ao invés de moderar as posições mais extremas do governo. Fez do Itamaraty uma plataforma para agradar a base dura do bolsonarismo e dos filhos do presidente.

Outra questão importante é se o novo chanceler vai ser capaz de frear a influência dos filhos de Bolsonaro, sobretudo Eduardo, na política externa. Ao longo de pouco mais de dois anos, Araújo nunca escondeu que Eduardo, bastante despreparado, tinha um peso decisivo na agenda internacional do país.

Se a influência radical de Eduardo não for contida, será difícil imaginar que um novo chanceler, seja quem for, consiga alterar a imagem fortemente deteriorada do presidente e do Brasil no exterior.

Na Europa, a questão mais importante para a imagem do Brasil envolve proteção do meio ambiente. Mudança de chanceler, portanto não altera em nada a percepção europeia nesse tema. A manutenção de Ricardo Salles como ministro de Meio Ambiente não ajuda. Ele cumpre, de maneira mais discreta, o mesmo papel de acentuar o radicalismo. Contribui para a percepção já fortemente negativa sobre Bolsonaro e o país. As dificuldades para aprovação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, e para a negociação de entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE) não melhoram em nada com a simples mudança de ministro das Relações Exteriores.

Além disso, desde 2014 a União Europeia não faz a cúpula anual com o Brasil prevista na parceria estratégica. E é algo que a troca de chanceler tampouco resolve, porque o problema é que as lideranças europeias não querem aparecer ao lado de Bolsonaro.

Em alguns casos, não relevantes e meramente ideológicos, é perfeitamente possível que um novo chanceler possa atenuar posições do governo, para menos militantes e mais sóbrias. Pode conter excessos como a forte proximidade com os governos da Hungria e Polônia, com pouca relevância internacional e imagem igualmente desgastada na Europa.

Um novo chanceler, dependendo de seu perfil, pode até minimizar o estrago que leva o país a ser chamado de pária na cena internacional. Mas a cara do Brasil não é o chanceler, é o presidente.

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Diminui tolerância de Bolsonaro com 'insubordinação'

Monica Gugliano

30/03/2021

 

 

Azevedo teria sido demitido na sexta-feira por ter se recusado a tirar o general Pujol do cargo

Chegou ao limite a tolerância do presidente Jair Bolsonaro com os auxiliares que não lhe dedicam fidelidade canina e se atrevem a contrariar suas ordens e opiniões. Incomodado por ter que demitir o general Eduardo Pazuello, do Ministério da Saúde, e o chanceler Ernesto Araújo - que se enquadravam nessa categoria - e pressionado pelas redes sociais que pautam boa parte dos seus atos, Bolsonaro partiu para cima das Forças Armadas. Segundo fontes militares, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, teria sido demitido ainda na sexta-feira ao se recusar, não pela primeira vez, a tirar do comando do Exército o general Edson Leal Pujol.

Azevedo vinha defendendo Pujol pelo simples motivo de que afastá-lo do cargo poderia criar sérios problemas na Força. Embora Bolsonaro tenha o apoio dos militares dos postos mais baixos, que inclusive ele faz questão de cultivar desde sua posse participando de formaturas e cerimônias de tipo, o mesmo não acontece entre os oficiais. Incomodados com as esquisitices do presidente, seu desprezo pela hierarquia e as liturgias do cargo, não foram poucos os que passaram a defender uma postura de distanciamento do governo.

O problema central foi que quanto mais as Forças Armadas pregavam o conceito de que são uma instituição de Estado, mais Bolsonaro se esforçava em mostrar que os militares eram parte de seu governo. Embora, no primeiro ano do governo Bolsonaro, a reforma da Previdência - que poupou os militares dos mesmos sacrifícios exigidos dos civis, além de investimentos em equipamentos e recursos - tenham mantido uma certa estabilidade no relacionamento, a pandemia criou uma divisão entre os militares e o comandante supremo. Enquanto Bolsonaro tentou e tenta até hoje minimizar a gravidade da doença, ignorando que o vírus já tirou a vida de mais de 300 mil brasileiros e que o sistema de saúde, público e privado, está em colapso, o Exército insistiu e fez questão de exibir publicamente que não pregava essas mesmas orientações. Os quartéis seguiram rigorosamente todas as regras de isolamento, uso de máscaras e se manifestaram contra o uso da cloroquina, que Bolsonaro mandou fabricar nos laboratórios das Forças Armadas, contrariando todas as normas científicas que descartavam o uso do remédio.

Nas últimas semanas, irritado com o fato de o Exército não aceitar o general Eduardo Pazuello de volta ao seu cargo, e com o que o presidente definiu a interlocutores como “insubordinação”, Bolsonaro recorreu à sua estratégia já consolidada. Passou a comparar o “lockdown” com “estado de sítio” e, nas conversas com seus apoiadores na grade do Palácio do Alvorada, insistiu em usar expressões como “meu Exército”. Na segunda-feira, 8 de março, Bolsonaro afirmou no Alvorada que não decretaria um “’lockdown’ nacional” e criticou as medidas de isolamento decretadas por governadores e prefeitos. “Eu poderia decretar ‘lockdown’, mas não vou. O meu Exército não vai para a rua obrigar o povo a ficar em casa. Eu quero paz, tranquilidade, respeito às instituições, mas algumas delas estão se excedendo”, disse em frente à residência oficial, em Brasília.

A denominação “meu Exército” não foi bem recebida pelos oficiais, mas, mesmo assim, Bolsonaro voltou a usá-la. No dia 19 de março, novamente ao conversar com apoiadores no Palácio do Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que é contra “lockdown” e que jamais adotaria a medida no Brasil. O presidente criticou, mais uma vez, os governadores que seguiram impondo restrições, Bolsonaro explicou que havia entrado com ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com medida cautelar contra quatro decretos dos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul. Disse ainda que prepara uma outra ação e alertou que governadores e prefeitos não podem impedir o direito de ir e vir das pessoas. Novamente recorreu ao Exército: “Meu Exército não irá para as ruas cumprir os decretos dos governadores”.