Valor Econômico, n. 5206, v.21, 12/03/2021. Brasil, p.A8

 

 

 

Avanço de variante está no início, afirma Ester Sabino

 

No futuro, vacinas podem ser desenvolvidas para frear a transmissão, diz pesquisadora

Por Ana Conceição e Marcos de Moura e Souza — De São Paulo

 

Os números de casos de contaminação e mortes por covid-19 no país dispararam nas últimas semanas, mas esse processo está apenas no início, diante do potencial de transmissão da nova variante brasileira do coronavírus, a chamada P.1., segundo a pesquisadora Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

 

“Infelizmente, estamos bem no começo do crescimento exponencial de casos da nova variante do coronavírus que começou em Manaus”, disse a imunologista na Live do Valor, ontem.

 

Ela conta que, na capital do Amazonas, a nova linhagem apareceu provavelmente em novembro e em dezembro já respondia por 40% dos casos de contaminação. Em janeiro, já era responsável por praticamente 100% dos casos.

 

Durante todo o tempo pelo qual o vírus se disseminou em Manaus, as pessoas continuaram circulando. Mais de 120 mil pessoas viajaram para a cidade nesse período, observa a pesquisadora. “Com isso, essa variante está em vários pontos do país. E o que estamos vendo é um crescimento similar ao que ocorreu em dezembro na cidade. Nós ainda vamos chegar a um pico, aparentemente. ”

 

A pesquisadora ainda observa que o número de mortes costuma refletir a contaminação ocorrida 15 dias antes. Esse número, que anteontem ficou acima de 2,3 mil no dia e ontem chegou a 2.207, deve continuar a crescer, diz. “O vírus continuou se espalhando de forma exponencial. Não faço projeções, mas tudo indica que esse número vai aumentar.”

 

No momento, a única forma de reduzir o forte aumento no número de casos são medidas rígidas de distanciamento social, afirma Sabino.

 

O fato de não se conhecer ainda a taxa de mortalidade provocada pela variante brasileira do coronavírus agrava o cenário.

 

“Quanto a sociedade aguenta? Quatro mil, cinco mil mortes por dia? Qual nosso limite? Vamos deixar chegar a que número [para fazer lockdown]? Não há outra saída. Temos que pensar em que tipo de sociedade suporta isso.”

 

A respeito da capacidade de a variante brasileira infectar pessoas que já tinham sido contaminadas, Ester Sabino diz que a própria disseminação do vírus em Manaus indica que a P.1. é capaz de provocar uma reinfecção.

 

A pesquisadora não é muito otimista sobre a possibilidade de a vida voltar ao “normal” no país, após a vacina. No Brasil, com pandemia fora de controle, zerar a transmissão do vírus é um cenário algo distante.

 

“Vai demorar para voltar a uma vida normal. Vão ser anos assim e isso reflete a forma como o país decidiu enfrentar a pandemia. Vai demorar para tirarmos máscara e nos sentirmos seguros”, afirma. “Vamos ter que fazer etapa por etapa. Foi uma opção feita no início da pandemia, de não tomar medidas duras, infelizmente.”

 

A cientista ainda observa que as vacinas foram desenvolvidas para diminuir os casos graves e moderados de covid-19, mas é preciso parar a transmissão do coronavírus. No futuro, vacinas podem ser desenvolvidas nesse sentido, mas até lá medidas de controle continuarão tendo que ser tomadas e de forma coordenada. “Sem um acordo nacional para conter o vírus, não chegaremos a lugar algum.”