Título: Quem tem medo das prévias?
Autor: Carneiro, Luiz Orlando
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2009, País, p. A14

CIENTISTA POLÍTICO E PESQUISADOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

As prévias realizadas pelos partidos democrata e republicano para a escolha dos candidatos que disputaram a eleição norte-americana do ano passado parece ter inspirado partidos políticos aqui no Brasil: recentemente, o PSDB solicitou ao TSE informações sobre os procedimentos adequados para a realização de pleitos internos para a escolha dos seus candidatos às eleições de 2010. O processo de democratização do país passou à margem das estruturas partidárias, que continuam adotando uma velha regra hierarquizada onde as decisões são tomadas de "cima para baixo", concentradas nas figuras dos caciques políticos.

A grande maioria dos filiados não passa de mera massa de manobra. Essa oligarquização desestimula a participação e resulta na celebração do voto personalista ("eu não voto em partidos, apenas em pessoas") e no baixo nível de confiança da população em relação às legendas que estão disponíveis no mercado político, raramente ultrapassando a casa dos 20%. Os partidos brasileiros não são obrigados a realizar prévias. Como entidades de direito privado, as legendas possuem liberdade para escolher seus candidatos da forma que quiserem. Atualmente, a totalidade dos partidos descarta essa prática, acreditando que ela serve apenas para dividir a base, sendo encarada por boa parte da elite política brasileira como o primeiro passo para uma candidatura fraca e "rachada".

Curiosamente, no caso do PSDB, isso acaba sendo verdade. José Serra e Aécio Neves travam um luta feroz para decidir que será o candidato do partido à sucessão do presidente Lula. Nesse caso, o governador mineiro lança mão das prévias como último recurso para derrotar a hegemonia paulista no ninho tucano. Sua aposta é unir diretórios de estados periféricos para derrotar Serra e impor seu nome ao partido. Tal situação pode se repetir no PT, dado que Dilma Rousseff, apesar de contar com o apoio de Lula, ainda não conquistou consenso dentro do próprio partido, que conta com outros presidenciáveis.

Basicamente, o PSDB formulou questões a respeito do período adequado à realização de prévias, à forma de financiamento dos pleitos intrapartidários e aos limites das campanhas dos candidatos, se devem ou não ficarem restritas aos filiados. O risco para as oligarquias partidárias reside na possibilidade do TSE aproveitar essa brecha para obrigar todas as legendas a adotarem esse instituto, promovendo mudanças profundas no sistema político. A consulta feita ao TSE pode ter repercussões que vão muito além das disputas internas do PSDB.

Os juízes da corte eleitoral se habituaram a utilizar esse tipo de questionamento para modificar a legislação partidária/eleitoral, realizando uma reforma política via poder judiciário. Isso tem acontecido com frequência, basta lembrar a verticalização e a fidelidade partidária, consultas que acabaram se tornando novas regras. Sem querer, os tucanos podem ter aberto uma caixa de pandora... Pode-se imaginar algumas consequências da obrigatoriedade de realização de prévias. A medida ampliaria o período eleitoral. Os "candidatos à candidato" iniciariam sua jornada muito tempo antes da realização dos pleitos oficiais, tentando conquistar militantes. Em segundo lugar, haveria campanhas generalizadas para filiação, dado que cada candidato tentaria mobilizar uma sólida base de apoio, revitalizando a vida partidária. Por fim, desde que as prévias fossem transparentes e confiáveis, a política se tornaria mais imprevisível.

O que assusta as elites políticas brasileiras é o fato de que as prévias são um instrumento eficiente de filtragem e controle dos partidários sobre seus líderes. Voltando ao caso norte-americano, pode-se afirmar que Barack Obama não teria a menor chance de concorrer à presidência, dado que os chefes políticos do partido eram largamente favoráveis ao nome de Hilary Clinton. O primeiro presidente negro dos Estados Unidos só foi possível devido à manifestação direta das massas demonstrada nas prévias.

É possível que da luta interna do PSDB possa nascer uma oportunidade para o surgimento de um mecanismo capaz de sanear e democratizar o sistema partidário brasileiro. O ideal é que essa mudança viesse pelas mãos das lideranças legislativas, refletindo um amplo consenso em torno das reformas políticas. Como isso parece distante e irreal, caberá ao judiciário promover a abertura das caixas pretas que são os partidos políticos brasileiros.