Título: O templo do povo
Autor: Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2009, País, p. A10
DEPUTADO FEDERAL (PCDOB-SP)
P oucas instituições têm no Brasil a trajetória de importância e influência da nossa Câmara dos Deputados. A essas se acrescente mais uma qualidade - a da altivez. A semente do brio com que a casa legislativa se pautou na História está na atitude que Antônio Carlos Ribeiro de Andrada tomou na sessão de 26 de maio de 1822 das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, em Lisboa, a que o Brasil mandou representantes de elevada competência, como esse irmão de José Bonifácio, o ativista Cipriano Barata e o Padre Diogo Feijó. Defendendo os interesses da ainda colônia portuguesa, Antônio Carlos foi aparteado pelos pares e vaiado pelas galerias, mas calou a todos quando afirmou: "Silêncio! Aqui desta tribuna até os reis têm que me ouvir."
A comparação é direta: cada um dos 513 deputados é imperador de seu mandato. Juntos, constituem a Casa do Povo, pois, mais que qualquer outro, o Legislativo é o poder popular por excelência. É poder ao mesmo tempo uno e fracionado, por ser o poder dos partidos, das numerosas correntes de opinião que pulsam na sociedade, mas sobretudo da consciência e doutrina de cada um dos parlamentares. Os tiranos não gostam dele. Tanto que nosso primeiro Parlamento, a Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, empossado em 17 de abril de 1823, foi dissolvido pelo jovem e impetuoso imperador Pedro I sete meses depois. A trajetória da Câmara corre nos trilhos da História do Brasil. Na Campanha da Abolição da Escravatura, nela destacaram-se próceres nacionais como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, autor da lei que libertou os escravos sexagenários.
Foi na Câmara que vicejou o movimento pela posse na Presidência do vice Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro que viria a consolidar a República. A Câmara foi o berço da Legislação Trabalhista, com a criação da Lei de Acidentes do Trabalho, em 1919; das primeiras caixas de previdência, em 1924; da primeira Lei de Férias; do Código do Trabalho, em 1917; a conquista da jornada de oito horas, em 1926. Foi na Câmara que se instituiu o monopólio estatal do petróleo em 1953, não previsto pelo governo de Getúlio Vargas, mas aprovado por emendas dos deputados Eusébio Rocha e Bilac Pinto. Por sinal, é patente que nenhum projeto de lei absolutamente nenhum sai desta Casa pior do que entrou.
Tem sido a Câmara, amalgamando as diversas correntes de opinião, a caixa de ressonância do sentimento nacional, às vezes pagando caro por sua independência, como em 1968, ao negar a licença para que um de seus membros, o deputado Márcio Moreira Alves, fosse processado. É indisfarçável que convivemos com muitas deformidades, talvez proporcionais às nossas virtudes. Muitas delas são reais, outras são projetadas além da dimensão concreta, como parte de um processo em curso - não só aqui, mas em quase todas as democracias liberais que visam a controlar o poder público. A democracia representativa, com todos os seus defeitos, ainda é o melhor, mais justo e eficaz sistema de governo.
E o Parlamento é sua pilastra. Por ser a expressão direta da sociedade, não comporta devaneios quanto ao que poderia ser. Num recente artigo para a revista do Democratas, tive a oportunidade de citar aquele que talvez tenha sido o nosso maior filósofo, Álvaro Vieira Pinto, em uma exaltação da escolha direta do eleitor: "A eleição na democracia serve exatamente para refutar a ilusão aristocrática, que consiste em supor que são os melhores que fazem o melhor." Os melhores são os que estão aqui, pois foi o povo que os elegeu para representá-lo. A humildade nos manda reconhecer que a Câmara, como instituição essencial da Democracia Representativa, é maior que seus integrantes.
Cada um de nós pode ser asperamente criticado, mas o Parlamento deve ser sempre preservado, porque sua simples existência é o aval da liberdade. Nosso grande desafio da atualidade é sintonizar ainda mais a Câmara com a agenda nacional não a agenda dos lobistas, das corporações e de quaisquer outros grupos organizados que só almejam particularismos mas a agenda dos temas que venham a pôr o Brasil na trilha de um desenvolvimento autônomo e independente, para satisfazer as necessidades materiais e espirituais de nosso povo.