O Estado de São Paulo, n46436. , 06/12/2021. Política, p.A4

 

Carlos é citado 43 vezes em inquérito do Supremo

Patrik Camporez

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

06/12/2020

 

 

Rede de ódio / Capítulo 3 . No decorrer de investigação sobre atos antidemocráticos, agentes da PF questionam se filho do presidente Jair Bolsonaro dá ordens para assessores do ‘gabinete do ódio’ do Planalto

 O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) é citado 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos. Ao longo dos depoimentos de testemunhas e investigados, os agentes da Polícia Federal deixam transparecer um cerco ao filho 02 do presidente Jair Bolsonaro. Eles levantam a possibilidade de o parlamentar estar “ajudando” e “cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições.

No dia 31 de julho, o dono do Foco do Brasil, Anderson Rossi, foi questionado sobre uma possível ajuda de Carlos na estruturação do canal, que chega a faturar R$ 140 mil por mês. O empresário respondeu não ter recebido ajuda do vereador, mas admitiu auxílio de Tércio Arnaud Tomaz, amigo de Carlos e integrante do “gabinete do ódio”, a ala ideológica do Palácio do Planalto. Essa ajuda se dava com o repasse de imagens exclusivas do presidente. Assim, Rossi abastece e impulsiona sua página com um conteúdo que a mídia convencional não tem acesso.

Meses depois, em 16 de setembro, a PF voltou a perguntar sobre um possível envolvimento de Carlos com o Foco do Brasil, agora na tomada do depoimento de Cleitomar Basso, funcionário do canal. Basso também negou participação do vereador no negócio.

A polícia investiga, ainda, se durante a campanha presidencial de 2018 assessores do gabinete de Carlos na Câmara de Vereadores do Rio atuavam no impulsionamento de páginas do pai dele nas redes sociais. Confrontado pela PF, o assessor Tércio Arnaud Tomaz admitiu ter trabalhado para Jair Bolsonaro durante o período em que esteve empregado no Legislativo Municipal, mas alegou que a atuação era “voluntária” e fazia por “iniciativa própria” a gestão das páginas do candidato.

Mesmo recebendo pela Câmara, Tércio disse que “continuou a cuidar do Blog ‘Bolsonaro Opressor” como uma “forma de ajudar”. A página chegou a ter 1,5 milhão de seguidores e foi “derrubada” pelo Facebook por infringir as regras da rede.

Outro assessor especial da Presidência, José Matheus Sales Gomes, confirmou à PF que trabalhou na campanha eleitoral do candidato a presidente. No dia 11 de setembro, ele alegou também ter atuado “voluntariamente” e sem “remuneração” nas estratégias de rede social.

A PF ainda investiga se os assessores do Palácio do Planalto vinculados ao “gabinete do ódio”, como Tércio e José Matheus, têm recebido ordens de Carlos. José Matheus admitiu que auxilia de “forma eventual” o vereador porque ele é o administrador de contas de redes sociais do pai. Já Mateus Matos Diniz, um terceiro integrante do “gabinete do ódio”, disse, em 22 de setembro, que “nunca” trabalhou para o filho do presidente.

Em setembro, reportagem do jornal O Globo informou que os agentes apuravam se Carlos Bolsonaro e integrantes do “gabinete do ódio” se reuniram, no Palácio do Planalto, para combinar detalhes dos depoimentos que seriam prestados no âmbito do inquérito. José Matheus foi um dos questionados. “Indagado quando foi a última vez que conversou com Carlos Bolsonaro, respondeu que na data de hoje, no período da manhã”. Segundo o depoimento, porém, eles “não conversaram sobre detalhes da oitiva de Carlos Bolsonaro”.

 

Encontro. O próprio Tércio também admitiu ter se encontrado com o vereador no dia do depoimento. “Indagado quando foi a última vez que conversou com Carlos Bolsonaro, respondeu que almoçou com ele na data de hoje”, destaca trecho do inquérito. Em 10 de setembro, Carlos prestou depoimento na Superintendência Regional da Polícia Federal, no Rio. Como revelou o Estadão à época, o vereador disse que nunca utilizou verba pública para manter canais e perfis em redes sociais nem é “covarde” ou “canalha” para contratar “robôs”.

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Blogueiros têm acesso privilegiado a presidente

Patrik Camporez

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

06/12/2020 

 

 

Inquérito aponta que apoiadores de Bolsonaro  aumentam monetização de canais com vídeos de dentro do Planalto

O inquérito sigiloso de mais de 1,1 mil páginas, revelado pelo Estadão, expõe os elos e a convivência harmoniosa da Secretaria de Comunicação da Presidência com os youtubers que ganham dinheiro divulgando o discurso do “gabinete do ódio”. O assessor especial Tércio Arnaud Tomaz e o Coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, são os interlocutores do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos dentro do Planalto.

Cid admitiu à Polícia Federal que, como “mensageiro” de Bolsonaro, leva e traz recados de Allan para o presidente. Dono do Canal Terça Livre, Allan atua como uma espécie de representante das demandas dos demais canais. Para aumentar a audiência e a monetização das franquias, os empresários do YouTube reivindicavam maior acesso aos “bastidores do poder” e ao próprio presidente.

Esse braço da “rede do ódio” conta com acesso livre a áreas da Presidência que são restritas à imprensa tradicional. De lá podem gravar vídeos exclusivos e de grande apelo ao eleitor bolsonarista. Os youtubers militantes carregam credenciais de imprensa, mesmo admitindo, em depoimentos, que atuam com o objetivo de promover a imagem do presidente. Bolsonaro também aparece em fotos informais ao lado dos donos desses canais.

Nos depoimentos, parlamentares bolsonaristas admitiram participação em reuniões na casa de Allan dos Santos e no grupo de WhatsApp chamado “Gengis House”, criado pelo blogueiro para organizar esses encontros. Paulo Eduardo Martins (PSC), por exemplo, disse que o espaço servia para abordar “temas políticos, de comunicação, além de acontecimentos e assuntos de interesses gerais”.

Responsável pela “execução da agenda oficial e privada do Presidente da República, bem como pelo atendimento de suas necessidades diretas e imediatas”, o ajudante de ordens Cid, por sua vez, disse em depoimento à PF que, na sua função, é comum intermediar contato de terceiros com o Presidente da República, já que as pessoas reconhecem sua função como sendo a “de um mensageiro”.

Para o ajudante, trata-se de uma via de “mão dupla”, ou seja, ele também repassa mensagens a outras pessoas a mando de Bolsonaro. À PF, no entanto, Cid afirmou que não produz qualquer relatório desses contatos. Dessa forma, os investigadores não teriam como saber detalhes das conversas e contatos intermediados pelo mensageiro.

A troca de mensagens entre o coronel e o blogueiro é frequente, segundo a interceptação da PF. No dia 6 de maio, por exemplo, Allan cita decisões do STF que intimam ministros militares a depor (sobre a acusação de interferência de Bolsonaro na PF) e afirma: “Não dá mais...”. Cid respondeu: “Ta difícil”.

Desde sexta-feira (27) o Estadão pede manifestação da Secom, sem sucesso.