Estado de São Paulo, n. 46438, 08/12/2021. Política, p. A4

 

Eleição no Congresso dá força a reforma ministerial

Jussara Soares

08/12/2020

 

 

Poderes. Decisão do STF de barrar a possibilidade de reeleição na Câmara e no Senado amplia pressão para que Bolsonaro faça mudanças na Esplanada para acomodar aliados

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a possibilidade de reeleição na Câmara e do Senado aumentou a pressão de parlamentares e de integrantes do governo para que o presidente Jair Bolsonaro faça mudanças nos ministérios para acomodar aliados. O movimento é considerado determinante para que o Executivo consiga emplacar nomes no comando das duas casas legislativas a partir de fevereiro de 2021, o que é fundamental para o Palácio do Planalto impor sua agenda nos dois últimos anos de mandato.

Uma das alterações estudadas é transferir o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para a Secretaria-geral da Presidência, no lugar de Jorge Oliveira, que deixa o governo no fim do ano para assumir uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Também são discutidas mudanças nos ministérios da Cidadania, Turismo e Relações Exteriores. Apesar da pressão, Bolsonaro já indicou que Ricardo Salles continua no comando do Meio Ambiente.

Para o lugar de Ramos, na Secretaria de Governo, são ventilados os nomes do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e do ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), ambos de partidos do Centrão, que se aliou ao Planalto nos últimos meses em troca de cargos. O governo aposta no líder do grupo, Arthur Lira (Progressistas-al), para derrotar um candidato indicado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ontem, Maia afirmou já esperar a interferência do Planalto na disputa por sua sucessão, marcada para fevereiro do ano que vem .

No Senado, entretanto, o governo ainda decide como se posicionará após o atual presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ter sido impedido pelo STF de disputar a reeleição. O Executivo apoiava a recondução do aliado, mas agora precisa refazer os cálculos políticos.

No domingo à noite, por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão para a reeleição de Alcolumbre.

Já no caso de Maia, a derrota teve placar maior, de 7 a 4. "É tudo muito recente. Não farei nenhum comentário até o presidente Davi se manifestar", disse o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que até então apoiava o nome do atual presidente do Senado. Agora, o próprio Gomes é apontado como um possível candidato, ao lado de outros nomes do MDB, a maior bancada da Casa. Também estão no páreo o líder partido na Casa, Eduardo Braga (AM), e Simone Tebet (MS).

Questionado ontem após inaugurar uma exposição no Palácio do Planalto com os trajes usados na posse por ele e a primeira-dama, Michelle, Bolsonaro desconversou: Congresso, que Congresso?", questionou, sem responder a perguntas. Ainda na noite de ontem, Lira e o presidente do Progressistas, Ciro Nogueira (PI), foram ao Planalto se reunir com Bolsonaro.

Até o presidente definir como mexerá as pedras no tabuleiro de xadrez, o secretário executivo, Antonio Carlos Paiva Futuro, deve assumir interinamente a Secretaria-geral. A expectativa é que Bolsonaro anuncie todas as mudanças de uma só vez, apenas após as eleições no Legislativo.

O lobby no Palácio do Planalto é para que os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), deputados federais eleitos em 2018, deixem o governo e voltem à Câmara para reassumir seus mandatos. A pressão ainda paira sobre Ernesto Araújo, da Relações Exteriores, sob o argumento de que o Brasil precisa recuperar a imagem na comunidade internacional.

Defensores dessas mudanças argumentam que Ramos, responsável pela articulação política do governo e amigo do presidente há mais de 30 anos, está desgastado com outros integrantes do governo e também pela própria natureza da função que exerce. Entregar a ele uma pasta com menos exposição, mas mantendo o status de "ministro palaciano" é visto como uma saída de prestígio.

No Congresso, Ramos é elogiado por ser "simpático e empenhado", mas a reclamação entre os parlamentares é que ele "tem pouca tinta na caneta", ou seja, tem pouco poder de ação. Por outro lado, o ministro foi fundamental para aproximar o governo do Centrão e construiu boa interlocução com Maia e Alcolumbre. Já no governo, Ramos acumula atritos com colegas do Executivo. O desgaste ficou explícito quando foi chamado de "Maria Fofoca" por Salles e defendido por líderes do Congresso.

  

Meio Ambiente. Diante da expectativa de uma reforma ministerial, Bolsonaro avisou a seus auxiliares que Salles está seguro no Meio Ambiente apesar da pressão para substituí-lo por causa da condução da política ambiental. Na quarta-feira da semana passada, o chefe do Executivo, durante a reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI), chegou a dizer que quem não concordava com Salles estava também discordando dele, segundo relatos feitos ao Estadão por participantes do encontro.

O recado foi endereçado a integrantes do governo, boa parte do núcleo militar, que argumentavam que substituir Salles era fundamental para recuperar a imagem do Brasil no exterior

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Supremo expõe culpa de Maia

Vera Magalhães

08/12/2020

 

 

É falacioso e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro. Diferentemente da eleição municipal, na qual resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a anterior. O presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura para isso neste momento).

A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.

Ao dar corda para vários postulantes à sua cadeira enquanto havia outro, Arthur Lira (PP-AL), colocado há anos e já com o apoio do Planalto, o deputado do DEM sempre deixou implícito que estava embarcado no plano do correligionário Alcolumbre, ainda que em público dissesse o contrário. Agora larga atrás para montar uma estratégia que mantenha o bloco em torno de si coeso e destaque entre os vários pré-candidatos alguém capaz de vencer a dupla Bolsonaro-lira.

É impossível? Não é. A economia patina, o governo não tem agenda na Câmara e a hesitação num assunto sensível à base dos deputados, que é a substituição do auxílio emergencial, joga contra o governo. Além disso, Lira é um candidato cheio de rolo, que não conta com a simpatia da opinião pública e que tem a imprensa, o Ministério Público e o STF nos calcanhares. Se souber, como já soube no passado, catalisar essas deficiências e organizar o jogo, Maia tem chance de eleger um sucessor. Precisará, ainda, fazer com que os partidos que se opõem a Bolsonaro – e aí têm de entrar PT e PSDB, além de parcelas do que se convencionou chamar de Centrão – entendam que dar a ele o comando da Câmara agora é facilitar sobremaneira seu caminho para 2022.

Precisa metabolizar a derrota vexatória que passou neste fim de semana, e à qual se submeteu porque foi excessivamente vaidoso e não soube sair de cena e construir um sucessor, e partir para a ação o mais rápido possível, porque só resta um mês e pouco para colocar uma nova estratégia em prática.

EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA