O Estado de São Paulo, n. 46439, 09/12/2021. Metrópole, p. A16

 

Após discutir com Doria, ministro diz não caber a estados planejas vacinação

Mateus Vargas

Jussara Soares

Emilly Behnke

09/12/2020

 

 

Governador cobrou posição federal sobre a Coronavac. com aplicação prevista para janeiro em SP; já Pazuello disse que os imunizantes precisam de registro da Anvisa e afirmou que a análise pode levar até 60 dias. Em pronunciamento, ministro ignorou produto do Butantã

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse em pronunciamento ontem que cabe à pasta, e não aos Estados, planejar a vacinação contra a covid-19 no Brasil. A declaração ocorreu após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), se antecipar e anunciar a imunização a partir de 25 de janeiro, mesmo sem ajuda federal. Na semana passada a gestão Jair Bolsonaro havia anunciado o começo da imunização só em março. Em reunião do ministro com governadores horas antes, Pazuello foi cobrado por Doria sobre a Coronavac e disse que a Anvisa tem até 60 dias para analisar os imunizantes.

A reunião foi marcada por Pazuello após críticas ao ministério sobre a previsão de começar a imunização só em março, enquanto países da Europa e da América Latina iniciam este mês. Outro motivo de pressão foi a resistência do governo federal em comprar outras vacinas, como a da Pfizer.

O governo Bolsonaro vinha se apoiando no acordo que tem com a Universidade de Oxford e a farmacêutica Astrazeneca para obter doses, mas os testes desse produto devem levar mais tempo após um erro dos cientistas. Outra aposta é a Covax, um consórcio internacional, ainda sem data de entrega das doses. Anteontem, a pasta disse negociar 70 milhões de doses com a Pfizer – mas só 8,5 milhões chegam noa 1º semestre .

No encontro de ministro e governadores, que teve momentos tensos, Doria cobrou posição de Pazuello sobre a compra da Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, ligado ao governo paulista. Em resposta, Pazuello afirmou que não descarta a compra, mas que o negócio só será fechado após o registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e se houver demanda. Ele disse que o preço do produto também será considerado.

Ao citar a vacina da Astrazeneca, Pazuello disse a fase 3 de testes está sendo concluída.

"Qual a previsão de isso ser encaminhado para a Anvisa? Pelos nossos contatos, até o final de dezembro. E a Anvisa, dentro da sua responsabilidade para avalizar registro dessas vacinas, vai precisar de um tempo para cumprir essa missão."

"Esse tempo, pelo que nos foi até agora colocado, gira próximo a 60 dias. Podendo ser menos um pouco. Se tudo estiver redondo", disse. "Se isso acontecer", continuou o general Pazuello, "só vamos ter registro efetivo da Astrazeneca no final de fevereiro. Mesmo que tenham chegado as 15 milhões de doses em janeiro."

No encontro, por videoconferência, Doria afirmou que o governo cobra o registro da Coronavac, mas fez investimentos de mais de R$ 1,2 bilhão no imunizante de Oxford, além de cerca de R$ 800 milhões para ingressar no Covax. Tanto a vacina de Oxford como os imunizantes que integram o consórcio não têm registro na Anvisa.

"Por que excluir a Coronavac, já que o procedimento junto à Anvisa é igual ao da Covax e Astrazeneca?", questionou Doria. Em outubro, Pazuello prometeu a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, mas teve de recuar após ser desautorizado por Bolsonaro, o que foi lembrado por Doria em outro momento da reunião. "Foi deselegante", disse o paulista.

Pazuello respondeu que o investimento na Covax é para desenvolver vacinas e que as doses só serão compradas, por consórcio, após registro na Anvisa. Ele ainda rebateu Doria, afirmando que a Coronavac não é do governo paulista, mas do Butantã. "Se houver demanda, preço, vamos comprar", disse. Pazuello tem omitido a Coronavac quando fala de doses já garantidas no SUS para 2021. A postura reflete pressão de Bolsonaro, adversário político de Doria. O presidente teme que a Coronavac dê força ao tucano para a eleição de 2022. Doria tem prometido parte das doses para prefeitos e governadores.

Entre os governadores, parte criticou a decisão de Doria de anunciar uma campanha paralela de vacinação a partir de janeiro. Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, disse que a iniciativa do paulista "preocupa" sobre o imunizante. "Isso coloca em jogo a credibilidade dos demais governadores", disse. Por outro lado, Flávio Dino (PC do B), do Maranhão, também cobrou Pazuello sobre a Coronavac.

Pedido de união. No pronunciamento no fim da tarde, Pazuello reforçou a prerrogativa do governo federal de organizar a vacinação. Segundo especialistas, embora tradicionalmente o Programa Nacional de Imunização (PNI) seja conduzido pelo ministério, os Estados podem ter campanhas próprias. Parte dos governos locais diz ser necessária mobilização diante da demora federal. A desvantagem, porém, será a oferta desigual da vacina pelo País.

"Compete ao Ministério da Saúde realizar o planejamento e a vacinação em todo o Brasil. Por isso o PNI é um programa do ministério. Não podemos dividir o Brasil num momento difícil", disse Pazuello. Apesar de ter cobrado união, não citou no pronunciamento os acordos de São Paulo para entregar a Coronavac. Ele voltou a afirmar, porém, que o governo federal deve comprar qualquer vacina com registro da Anvisa. "Qualquer vacina que tenhamos acessos, fabricadas no Brasil ou importadas, que sejam disponibilizadas para nós e tenham registro da Anvisa serão alvo de contratação do governo federal", disse.

Em mensagem nas redes sociais logo após o pronunciamento do ministro, Bolsonaro também reafirmou que o governo vai oferecer "de forma gratuita" vacinas que tiverem sua eficácia comprovada pela Anvisa. 

Tempo

60 dias

é o prazo-limite que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem para conceder o registro de uso das vacinas no País. Segundo ele, pelo atual cronograma, só deve haver um imunizante certificado no Brasil no final de fevereiro do ano que vem

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Governadores prevee acionar o STF por imunização

Pedro Venceslau

João Ker

09/12/2020

 

 

Flávio Dino disse já ter ingressado com ação para liberar aquisição de vacina. Doria também poderá recorrer à Corte

O Supremo Tribunal Federal (STF) será palco de ações de autoria de governadores que buscam acesso a vacinas diante de críticas no comportamento do governo federal. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCDOB) disse ter ingressado anteontem com um processo em que busca a liberação da aquisição de imunizantes aprovados por agências internacionais. E o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também poderá demandar a Corte para ver liberada a Coronavac.

Dino afirmou em suas redes sociais que o objetivo do pedido é dar autonomia aos Estados para garantir diretamente a imunização, "se governo federal não quiser". Ele cita como justificativa a lei federal 13.979, deste ano, que prevê "autorização excepcional e temporária" de medicamentos e materiais essenciais para o combate à pandemia.

A mesma lei pode ser usada na argumentação que prepara o governador Doria. A afirmação, feita a interlocutores, foi divulgada pelo portal UOL e confirmada pelo Estadão.

Segundo a reportagem apurou, o governador pretende esgotar outros recursos antes de ir ao STF. Uma vez no Supremo, o governador deverá se basear na Lei 13.979. Conforme interpretação do próprio órgão, proferida em abril deste ano, governadores e prefeitos possuem autonomia para impor planos para a contenção da pandemia.

A aplicação da vacina depende da apresentação dos resultados de eficácia, o que ainda não ocorreu, Em seguida, o produto deve ser registrado na Anvisa. O Butantã promete divulgar os dados de eficácia até 15 de dezembro e entrar de imediato com pedido de registro.

Para definir os prazos de uma eventual liberação, o governo paulista está baseado em declaração do gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes. Em julho, Mendes afirmou que a Anvisa tinha condições de liberar um registro de medicamento em "até 30 dias". Em agosto, o gerente geral mudou o prazo para "60 dias ou menos".

O pano de fundo da aprovação da vacina é a disputa política para a campanha presidencial de 2022.