O Estado de São Paulo, n. 46440, 10/12/2020. Política, p. A4
Bolsonaro demite ministro e expõe disputa pela Câmara
Jussara Soares
Tânia Monteiro
Eliane Cantanhêde
10/12/2020
Álvaro Antônio disse que seu cargo foi oferecido por Luiz Eduardo Ramos ao Centrão para influir na sucessão de Maia
O presidente Jair Bolsonaro começou ontem a mexer no seu governo para tentar interferir na disputa pelo comando da Câmara e demitiu o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. A troca na pasta ocorreu após Antônio expor, em um grupo de mensagens, as articulações do governo para influenciar a sucessão do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O agora ex-ministro disse que o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, ofereceu a pasta do Turismo ao Centrão em troca de apoio ao candidato do Planalto.
O presidente da Embratur, Gilson Machado, foi o escolhido por Bolsonaro para a vaga. Ao colocar um amigo pessoal no cargo, o presidente facilita uma futura troca para acomodar o Centrão em busca de votos pelo comando da Câmara. O Ministério do Turismo é bastante cobiçado pelo grupo que se aproximou do governo em troca de cargos.
A disputa na Câmara é de extrema importância para o Palácio do Planalto por duas razões: a primeira é evitar que Maia, adversário político do presidente, consiga fazer um sucessor, o que fortaleceria seu grupo na disputa presidencial de 2022. A outra é que ter um aliado no cargo possibilitará ao governo levar adiante sua agenda ideológica. É o presidente da Câmara quem define o que vai ou não ser votado. A aposta do Palácio do Planalto é no deputado Arthur Lira (Progressistas-al), um dos principais nomes do Centrão, que oficializou ontem a sua candidatura .
Contrariado com as negociações envolvendo a sua pasta, Antônio escreveu no grupo de Whatsapp formado por ministros: “Não me admira o Sr Ministro Ramos ir ao PR (presidente) pedir minha cabeça, a entrega do Ministério do Turismo ao Centrão para obter êxito na eleição da Câmara dos Deputados”, disse ele. A íntegra da mensagem foi revelada ontem pela CNN Brasil e também obtida pelo Estadão.
Ao demitir Antônio, Bolsonaro o repreendeu por ter exposto divergências em um grupo de Whatsapp e disse que as diferenças deveriam ser resolvidas pessoalmente, não em público.
Na conversa com o presidente, relatada à reportagem por integrantes do governo, Antônio acusou Ramos de fazer intrigas entre ministros – ele já foi chamado de “Maria Fofoca” por Ricardo Salles, do Meio Ambiente. O agora ex-ministro do Turismo ainda citou o fato de ser um aliado fiel a Bolsonaro desde a campanha eleitoral e, apesar de ter demonstrado descontentamento, disse que seguirá apoiando o governo. Ele reassumirá seu mandato na Câmara.
O Estadão apurou que Bolsonaro foi impelido a ficar do lado de Ramos na briga após almoçar com os comandantes das Forças Armadas horas antes de o caso ganhar repercussão. Segundo um participante do encontro, desta vez o presidente não poderia deixar de tomar as dores do general de quem é amigo há mais de 30 anos.
Antônio ainda tentou reverter a situação para continuar no cargo. Antes de ser demitido, ele enviou mensagem a Ramos pedindo perdão e admitiu ter sido injusto. O ministro, porém, não aceitou.
Mais mudanças. O próprio Ramos é um dos que devem perder o cargo para dar espaço ao Centrão. Após acumular desgastes com outros integrantes da Esplanada dos Ministérios, ele deve ser deslocado para a Secretaria-geral da Presidência no lugar de Jorge Oliveira, que assumirá uma cadeira no Tribunal de Contas da União (TCU). Também é aguardada a substituição de Onyx Lorenzoni no Ministério da Cidadania.
CRONOLOGIA
As trocas no primeiro escalão
Fevereiro/2019
Secretaria-geral da Presidência
Gustavo Bebianno é substituído por Floriano Peixoto
Abril/2019
Ministério da Educação
Ricardo Vélez por Abraham Weintraub
Junho/2019
Secretaria de Governo
Carlos Alberto dos Santos Cruz por Luiz Eduardo Ramos
Junho/2019
Secretaria-geral da Presidência
Floriano Peixoto por Jorge Oliveira
Junho/2020
Ministério do Desenvolvimento Regional
Gustavo Canuto por Rogério Marinho
Fevereiro/2020
Casa Civil
Onyx Lorenzoni por Walter Braga Netto
Ministério da Cidadania
Osmar Terra por Onyx Lorenzoni
Abril/2020
Ministério da Saúde
Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich
Ministério da Justiça
Sergio Moro por André Mendonça
Advocacia-geral da União
André Mendonça por José Levi
Maio/2020
Ministério da Saúde
Nelson Teich por Eduardo Pazuello
Ministério das Comunicações
Fábio Faria assume após desmembramento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Comunicações
Junho/2020
Ministério da Educação
Abraham Weintraub por Carlos Alberto Decotelli
Ministério da Educação
Carlos Alberto Decotelli por Milton Ribeiro
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Amigo do presidente e parceiro de 'lives'
Emilly Behnke
Jussara Soares
10/12/2020
Atual presidente da Embratur e aliado de Bolsonaro vai substituir Álvaro Antônio no Ministério do Turismo
PERFIL - Gilson Machado, novo ministro do Turismo
Amigo do presidente Jair Bolsonaro, o novo ministro do Turismo, Gilson Machado, é conhecido por acompanhar o presidente em viagens pelo Brasil e por ser figura constante nas "lives" presidenciais, em que já tocou sanfona. Ele substituirá Marcelo Álvaro Antonio, que reassumirá o mandato de deputado federal. Uma nova mudança deve ocorrer a partir de fevereiro, quando uma reforma ministerial está prevista.
Atual presidente da Embratur, Machado é aliado de Bolsonaro desde a campanha presidencial e participou da equipe de transição. Antes de ser nomeado presidente da agência de fomento ao turismo, atuava como secretário nacional de Ecoturismo e Cidadania Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente, onde também exerceu o cargo de secretário de Florestas.
Sanfona. No fim de junho, Machado, que é do Recife, chamou atenção após tocar "Ave Maria" na sanfona durante uma transmissão ao vivo do presidente. A música foi uma homenagem às vítimas da covid-19. Naquele dia, 25 de junho, o País registrava mais 55 mil mortes pelo novo coronavírus.
Ele chegou a dar aulas do instrumento ao presidente.
O novo ministro do Turismo também participou da criação do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente e seus filhos tentam registrar. Na noite de terça-feira, ele esteve no lançamento do Instituto Conservador-liberal, do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), (mais informações na pág. A9). Machado estava em um evento do setor quando foi convocado, ontem, para falar com o presidente. Ele chegou ao Palácio do Planalto pouco antes das 15h, e deixou o gabinete presidencial cerca de 45 minutos depois, sem falar com a imprensa.