O Estado de São Paulo, n. 46441, 11/12/2020. Economia, p. B3

 

Com mudanças, texto-base da lei do gás é aprovado

Daniel Weterman

Anne Warth

Marlla Sabino

11/12/2020

 

  
Novo marco regulatório pode atrair investimentos de até R$ 60 bi; governo diz que quer restabelecer projeto aprovado por deputados

O Senado aprovou o projeto da Nova Lei do Gás desidratando o texto da Câmara. Com isso, a proposta precisará ser analisada novamente pelos deputados federais, atrasando a tramitação da medida no Congresso.

O novo marco do gás é a aposta do governo para reduzir o preço do insumo, atrair investimentos, aumentar a competição e evitar monopólios. A queda de custo deve atingir os principais consumidores do gás natural – a indústria e o setor de energia termoelétrica. Mas a expectativa do governo é que essa redução seja repassada ao consumidor final.

O projeto estabelece o regime de autorização para gasodutos. Desde 2009, o regime adotado é de concessão, mas nenhum gasoduto foi construído no período. Com a autorização, o processo é mais simples e cada agente poderá construir, ampliar, operar e manter livremente as estruturas de transporte, por sua conta e risco.

O objetivo é aumentar o número de empresas atuantes no mercado de gás, rompendo assim o monopólio da Petrobrás. O governo também vai incentivar os Estados a privatizarem suas empresas e atualizarem os marcos regulatórios próprios, já que a competência para legislar sobre distribuição de gás é dos governadores.

O novo marco pode atrair investimentos entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões, com a produção de gás natural triplicando até 2030, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética. Nesse contexto, a nova lei poderá abrir 4 milhões de novos postos de trabalhos em cinco anos e acrescentar 0,5 ponto porcentual de crescimento do PIB nos próximos 10 anos.

Mudanças. O relator do projeto no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), incluiu no texto as termoelétricas inflexíveis (geram energia o tempo todo e não ficam em stand-by para serem acionadas apenas em caso de escassez de chuvas, por exemplo). A inclusão enfrenta resistência do governo e da própria indústria e acabou sendo rejeitada.

Numa votação à parte, pedida pelo Cidadania, a alteração foi retirada do texto por 38 votos a 33. O argumento da líder do partido, Eliziane Gama (MA), é que a prioridade pelas termoelétricas prejudicaria a produção de energia solar e eólica. "Estamos aqui desestimulando a produção de energia limpa"", afirmou.

Em defesa, Braga disse que a inclusão das térmicas inflexíveis não concorria com a reserva de energia eólica e solar. De acordo com ele, as usinas incluídas serviriam como "âncoras" e viabilizariam o transporte de gás natural para regiões que ainda não dispõem dessas fontes de energia. "Se houvesse uma térmica inflexível a gás no Amapá, nós não teríamos tido o sofrimento que tivemos no Estado (apagão)", afirmou o senador.

Ainda de acordo com Braga, as termoelétricas inflexíveis a gás natural poderiam substituir as usinas térmicas abastecidas a óleo diesel, considerado um combustível mais "sujo". O governo se posicionou contra a inclusão das usinas inflexíveis. O custo de geração de energia ao consumidor final pode aumentar, argumentou o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Outras alterações do relator, porém, ainda ficaram no projeto e por isso a proposta volta à Câmara. Bezerra disse que o Executivo defenderá o texto que tinha sido aprovado pelos deputados.

Braga alterou, por exemplo, o projeto da Câmara para garantir os direitos e as autorizações dadas às transportadoras dos gasodutos em implantação ou processo de licenciamento ambiental em 5 de março de 2009. O projeto aprovado pelos deputados preservava apenas as classificações desses gasodutos.

O Estadão/Broadcast apurou que a emenda privilegia a seleção e a construção de gasodutos que já obtiveram licenciamento ambiental. De 11 estruturas licenciadas, seis são de empresas que pertencem ou estão ligadas ao empresário Carlos Suarez - como a Termogás e a CS Energia. Os novos gasodutos já licenciados somam 6,7 mil quilômetros, dos quais 5,2 mil km, ou 77%, estão relacionados a Suarez de alguma forma. Caso o detentor das autorizações perca no processo licitatório para construção dos gasodutos, ele terá a garantia de receber 5% dos investimentos previstos para o projeto autorizado.

"Na nossa avaliação, o texto aprovado no Senado distorce o projeto original em vários pontos, por exemplo ao retirar restrição a formação de monopólios privados. Por outro lado, a mudança que criaria subsídios na conta de energia elétrica para viabilizar gasodutos e empresas caiu, o que consideramos como uma grande vitória dos consumidores", disse o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa. Ele defendeu o resgate do texto original na Câmara.

Expectativa

R$ 50 bi

é a previsão mínima, podendo chegar a R$ 60 bi, os investimentos esperados com a aprovação do novo marco regulatório do gás