O Estado de São Paulo, n. 46443, 13/12/2020. Política, p. A4

 

Ao menos 10 siglas cobram 'dízimo' de comissionados

Paula Reverbel

Pedro Venceslau

13/12/2020

 

 
Financiamento. Filiados a partidos que são nomeados para cargos no governo repassam até 15% dos seus salários; legendas defendem legalidade da prática, prevista em estatuto

Parlamento. Uma alteração feita em 2017 pelo Congresso na Lei dos Partidos Políticos garante legalidade do pagamento

Ao menos dez partidos políticos brasileiros cobram porcentagem do salário dos seus filiados que ocupam cargos comissionados na administração pública. Previsto no estatuto de PT, MDB, PSOL, Republicanos, PDT, Patriota, Pros, PRTB, PV e PCB, o "dízimo partidário" chega até a 15% do rendimento mensal de servidores de livre nomeação e exoneração, em geral destinados a posições de direção, chefia ou assessoria.

As siglas defendem a prática, alegando que é uma forma de promover a participação dos filiados no financiamento dos partidos. Os repasses são legais e passam por órgãos de controle. Por outro lado, a doação compulsória é criticada por incentivar o aparelhamento da máquina pública, promovendo a entrada em todas as esferas de governo de filiados que nem sempre estão capacitados para as funções públicas.

Em 2007 e 2008, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu decisões para proibir funcionário comissionado a doar para partido. Em seu voto, o ministro Arnaldo Versiani argumentou que os filiados se sentiriam coagidos a contribuir, pois, como estão em cargos comissionados, podem ser demitidos a qualquer momento.

Uma alteração feita pelo Congresso na Lei dos Partidos Políticos em 2017, porém, passou a permitir explicitamente que as legendas recebam dinheiro de pessoas que ocupam cargos comissionados, desde que pertençam à sigla.

No PDT, a taxa varia entre 10% e 15%. Filiados ao PT e ao Republicanos que ocupam cargos comissionados devem passar 5% do salário às siglas. No MDB, é cobrado 3% dos salários. No PSOL, a taxa é de até 2%. O Patriota estabelece em estatuto a contribuição de porcentagem dos nomeados, mas não chega a citar um porcentual. Nos demais partidos, a taxa varia de 5% a 10%.

No caso do PDT, do Republicanos e do Patriota – que fizeram atualizações recentes em seus estatutos –, o TSE barrou ou pediu adequação dos trechos sobre as doações. Além de versar sobre a contribuição obrigatória de filiados que ocupam cargos comissionados, esses pontos também tratam da doação obrigatória de políticos eleitos, prática que não consta em lei. Toda atualização do estatuto de um partido precisa ser avalizada pelo tribunal.

Além dos dez partidos que cobram o "dízimo partidário" dos seus filiados, outros oito – PTB, DEM, PCdoB, PSB, DC e PSL, Cidadania e UP – não chegam a atrelar uma porcentagem a cargos comissionados em seus estatutos, mas abrem margem para que isso seja abordado em outros regulamentos internos.

PMN, PSC, PP, PCO, PL, PSD e Solidariedade se limitam a falar que é dever do filiado contribuir financeiramente com o partido, mas sem avisar que outras regras internas vão definir como isso acontecerá. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira, revogou, em 2018, artigos que falavam sobre contribuições

específicas. Versões anteriores chegaram a citar 3% dos salários dos filiados.

O Novo prevê doação de R$ 28,23 por mês para cada integrante. Os estatutos do PSDB, do Avante, da Rede Sustentabilidade e do PMB só preveem doações de quem foi eleito.

Já os estatutos do Podemos, do PTC e do PSTU não deixam claro se as contribuições são obrigatórias e se valem para todos os comissionados.

Legislação. A questão das doações obrigatórias de funcionários que podem ser contratados e demitidos do poder público livremente chegou a ser judicializada outras vezes nas últimas duas décadas. Em março de 2017, o plenário do TSE barrou uma regra do PMN que previa doação obrigatória de filiados com cargos públicos. Em setembro daquele ano, a comissão da Câmara dos Deputados responsável por formular proposições relacionadas à reforma política sugeriu um projeto que autoriza explicitamente a prática. O projeto foi aprovado por Câmara e Senado e sancionado pelo então presidente Michel Temer (MDB) no mês seguinte.

"Essa cobrança é um hábito que está introjetado na cultura organizacional dos partidos e que a reforma política legalizou de vez. Na prática, se abocanha mais uma parcela de recursos públicos", disse o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC.