Título: Relatório da PF incrimina banqueiro
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, País, p. A3
Daniel Dantas, do Opportunity, é apontado como líder de ''organização criminosa'' que usou a Kroll para fazer escuta ilegal
O relatório da Divisão de Inteligência Policial da Polícia Federal sobre a Operação Chacal mostra que o banqueiro Daniel Dantas - dono do Grupo Opportunity - montou um ''órgão de inteligência'' paralelo para investigar desafetos. Dantas e a presidente da Brasil-Telecom, Carla Cico, são apontados no relatório como os líderes da organização que utilizou a estrutura da empresa Kroll Associates para fazer investigações ilegais.
O conjunto de documentos obtidos pelo Jornal do Brasil corresponde aos primeiros registros da PF sobre as investigações. Foi redigido em 27 de setembro e está nas mãos da Justiça Federal de São Paulo. A documentação inclui diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial e parcela da análise do material recolhido em buscas e apreensões nas residências e escritórios dos envolvidos. O JB teve acesso ao documento através de uma fonte que consultou todo o material enviado à Justiça.
O relatório da PF fala sobre uma ''organização criminosa internacional'' com todos os seus elementos característicos, como formação de quadrilha, inobservância de fronteiras, previsão de lucros, hierarquia, planejamento empresarial, divisão de trabalhos, ingerência no poder estatal e compartimentação. As análises da empresa Kroll, diz o relatório, muitas vezes ''desaguam na prática de crimes''.
Daniel Dantas, o ''DD'', e Carla Cico, a ''CC'' - assim chamados ''por outros integrantes do grupo - contrataram a Kroll para dar suporte ao litígio entre a Brasil Telecom e a Telecom Itália, e para tanto investigaram pessoas que iam de encontro dos interesses do grupo Opportunity. Dantas e Cico, diz o documento, tinham e têm conhecimento dos métodos da investigação, ''violando a legislação pátria''.
O banqueiro e a presidente da Brasil Telecom ''traçavam as diretrizes da investigação''. Para a PF, a ''estrutura hierárquica da organização'' tem como executores os representantes da Kroll na Inglaterra, entre eles Omer Erginsoy, Charles Carr e William Goodall. Os investigadores Tiago Verdial e Júlia Cunha são os encarregados ''da parte mais agressiva'' da investigação. Na base da pirâmide estão os ''informantes'', onde se incluem policiais, bancários, funcionários de companhias telefônicas e servidores de órgãos governamentais e do Judiciário.
Áudios interceptados pela PF, diz o relatório, mostram que Dantas e Carla se encontraram com integrantes da Kroll internacional, entre eles William Goodall, Charles Carr e Omer Erginsoy, na sede do Opportunity, na Avenida Presidente Wilson, no Rio. Para a PF, ''não se questiona'' o completo envolvimento de Dantas e Carla com a organização, uma vez que tinham conhecimento dos projetos Tokyo e Cumberland, pelos quais a Kroll investigou as empresas Parmalat, Teconsistem, Eudósia, Tim, o então presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, e o Judiciário do Rio. A investigação chegou a respingar no secretário de Comunicação do governo, o ministro Luiz Gushiken.
Segundo o relatório, a Kroll teve acesso à documentação da PF protegida por segredo de Justiça referente à própria investigação da empresa. A ''organização criminosa'' - ainda de acordo com o documento - realiza investigações sem nenhum tipo de controle externo, objetivando o lucro com a elaboração e recebimento de informações privilegiadas. No ápice desta estrutura que ''atropela a legislação'', diz a PF, aparecem Daniel Dantas e Carla Cico, com poder econômico para manter um ''órgão de inteligência paralelo'' e financiando os atos da organização.
O relatório mostra a abordagem dos espiões da Kroll a juízes e autoridades do Ministério Público, que moviam causas que seriam de interesse do banqueiro. A organização, através de uma reunião solicitada por seus espiões, tentou obter junto ao Ministério Público do Paraná dados referentes à investigação do Banestado. Documentos enviados pela Promotoria de Nova York à CPI do Banestado mostram duas centenas de transações bancárias envolvendo o Opportunity Fund e o MTB Bank.
A quadrilha também tentou cooptar ex-autoridades federais. Durante operações de vigilância da PF na sede da Kroll no Rio, policiais identificaram o ex-coordenador de Pesquisa e Investigação da Receita Federal, Deomar Vasconcellos de Moraes. ''Constatou-se que Deomar possui vínculos e estaria trabalhando para a empresa Kroll Associates Brasil'', diz o documento. Embora não se possa imputar prática ilícita a Deomar, segundo a PF, é inegável o prestígio e influência do ex-chefe da inteligência junto à Receita.
Dantas e Carla, conclui a PF, ''não podem alegar desconhecimento de que os dados colhidos pela Kroll violam a legislação brasileira''. DD e CC, segundo o relatório, eram os principais beneficiados pela atuação ''do restante da quadrilha'', muito embora a responsabilidade pelos atos praticados ficasse dissimulada nos degraus hierárquicos inferiores.