Título: Brasil perde na blindagem contra crises
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Economia, p. A19

Estudo mostra que vulnerabilidade do país a choques externos cresceu Embora com exportações recordes e fluxo polpudo de captações internacionais, o Brasil tem hoje maior vulnerabilidade externa do que no governo Fernando Henrique Cardoso e, em um quesito, até pior que a Argentina. A conclusão é do economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, baseado em estudo que mediu a suscetibilidade a choques externos em 113 países, a partir de dados fornecidos pelo Banco Mundial. O motivo seria o foco do país nas exportações de bens primários, a dependência do fluxo de capitais estrangeiros e a grande remessa de divisas pelas empresas multinacionais que estão no país. A partir de indicadores de conjuntura de 113 países, Gonçalves revela que o Brasil é pouco vulnerável na questão comercial, porém bastante frágil em termos produtivos e monetários.

- Tanto no Ministério de Comércio Exterior, quanto no da Agricultura, há representantes do agronegócio, com diretrizes voltadas para a exportação deste segmento, que, por sua vez, tem uma estrutura de produção retrógrada, e nos torna extremamente dependentes das oscilações do mercado internacional. Hoje, quem sofrerá revés são os produtores de soja, mas os preços do aço também serão corrigidos ainda este ano - avalia Gonçalves.

Em termos comerciais, o Brasil está na 74ª posição, em um ranking liderado por países como a Moldávia e a Mongólia.

A situação do Brasil é pior, porém, no quesito monetário. Isso porque, segundo explica, o país ainda é muito dependente do capital externo. Nesse item, aparece no 7º lugar da lista, superado apenas por países como o Sudão e Ruanda. A vizinha Argentina, por sua vez, fica na 10ª posição.

- Como o Brasil segue a política da Casa da Máe Joana, acaba fazendo a seleção inversa, pegando o que tem de pior em termos de investimentos externos. Todos os desenvolvidos de hoje fizeram política de regulação de capitais no passado - opina Gonçalves. - Na Argentina, houve medidas para reduzir a vulnerabilidade, como a proteção da produção de bens duráveis, evitando a transferência de renda para o exterior.

Já na questão produtiva, o Brasil fica na 49ª posição, pouco acima da média da amostra (48,8). Isso ocorre, segundo Gonçalves, por conta da presença de estrangeiros na produção, sem critérios de desempenho para os investidores.

- O problema não é o investimento externo e, sim, a remessa de recursos ao exterior. É preciso cobrar desempenho dessas empresas, para que convertam os recursos em investimentos no Brasil e não aproveitem a conjuntura para enviar divisas para fora - avalia. O estudo, que será publicado pelo economista, foi baseado nos indicadores de 2002, porém, segundo diz, de lá para cá pouca coisa mudou.

- Querem fazer a omelete sem quebrar os ovos e isso não é possível. O PT adotou a política de menor resistência. Com isso, não vai causar grandes turbulências ao mercado, mas também não vai mudar nada. Estamos repetindo os erros - critica Gonçalves.

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, a própria condução da política monetária hoje está levando mais vulnerabilidade à economia.

- A sobrerreação do Banco Central para atingir a meta de inflação está produzindo efeitos negativos, como a apreciação excessiva do real. Em caso de choque de liquidez internacional, quanto mais tempo de taxa de câmbio valorizada pior - explica o economista.

Segundo ele, a combinação de taxa de juros real alta, em torno de 11% ao ano - segunda maior do mundo, atrás apenas da Turquia -, e câmbio valorizado forma uma mistura mortal aos investimentos para a fabricação de bens para exportação.

- E isso é pior do que os efeitos imediatos do câmbio na balança comercial - analisa Belluzzo. - A combinação dos dois fatores afasta o investimento estrangeiro para investimento.

Segundo o economista da Unicamp, estamos repetindo os erros do passado.

- É como na época do Gustavo Franco. Todo mundo achava que era aquilo mesmo que deveria ser feito e só se percebe que a coisa não é bem assim quando a casa vem abaixo - profetiza Belluzzo.