Título: O Brasil e o novo desafio estratégico
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/12/2008, Opinião, p. A8

As 100 páginas de texto que compõem o novo Plano Nacional de Defesa contemplam a visão governamental de algo que é discutido nos ambientes militares há muito tempo. Pelo tamanho e força política, estratégica e econômica, o Brasil não poderia perder mais tempo contingenciando a Defesa como um item supérfluo em sua pauta de desenvolvimento. A caserna, por definição e excelência, pensa sempre nas relações internacionais dentro da ótica do realismo, visão pela qual se observam as relações entre os Estados a partir do choque de interesses entre tais unidades. Diplomacia e poderio bélico então se combinam como as ferramentas essenciais para a administração dos conflitos. Com o enfraquecimento da Guerra Fria, no século passado, essa teoria perdeu força em detrimento de outras formas de relacionamento entre povos e nações, mesmo inimigas. A globalização tornou relativas certas disputas e enfraqueceu o debate puramente ideológico. Porém, os ventos mudaram outra vez de direção, e o aparato de dissuasão voltou a ser instrumento eficaz de política contra novas ameaças.

O Plano de Defesa, nesse ponto, transporta o Brasil do tempo do realismo puro para a nova ambientação desse mesmo modelo no século 21. É feliz por considerar como parte do arcabouço de proteção a área tecnológica em que se situam as diferenças que separam países em desenvolvimento das potências do futuro. Os setores nuclear, cibernético e espacial preenchem os requisitos desse acesso e conceitualmente merecerão maior atenção. Hoje, na guerra moderna, softwares podem ser tão ou mais mortíferos quanto mísseis e bombas. Podem estabelecer com precisão a propriedade de uma riqueza material ou a fronteira que depura a soberania nacional. Em tempos de pré-sal, são tão essenciais quanto navios de patrulha. Outra feliz constatação no programa vem do reconhecimento de que a indústria nacional de defesa precisa ser reconstruída, com prioridade absoluta para a independência tecnológica. Podemos comprar os melhores caças a jato do planeta, mas serão apenas aviões se não os equiparmos com dispositivos inteligentes dos quais os eventuais adversários não terão como se defender.

Finalmente, a redefinição das Forças Armadas completa o quadro. Há previsão de investimentos na formação de soldados mais intelectualmente preparados, necessários dentro de desafios adaptados às realidades atuais, sobretudo em um tempo no qual o controle de reservas estratégicas configura a manutenção do status quo de potência. À Marinha, por exemplo, coube garantir a segurança da plataforma do pré-sal e das bacias Amazônica e do Prata. São três os objetos importantes: petróleo, biodiversidade e água doce. Mais do que dissuadir vizinhos que sempre foram rivais na liderança continental, a presença militar no Sul é uma garantia de proteção ao aqüífero Guarani, uma das maiores reservas de água do planeta. Ao Exército coube a proteção às reservas minerais do centro do país, descobertas e ainda por descobrir, entre outras missões. À Aeronáutica, apoio às outras forças, entre tarefas consideradas vitais para o controle aéreo.

A proposta do plano não é belicosa ou capaz de estimular uma corrida armamentista. Parte do princípio universal de que o Estado tem o direito e o dever de defender os seus limites. O Brasil havia deixado esse aspecto em segundo plano por questões econômicas. Chegou a hora de descontar o atraso.