O Estado de São Paulo, n. 46447, 17/12/2020. Metrópole, p. A17

 

Primeiro voto no STF é por vacina obrigatória

Rafael Moraes Moura

17/12/2020

 

   
Para Ricardo Lewandowski, é 'obrigação', e não escolha, a imunização pelo governo

Plenária. Sob a presidência de Luiz Fux, a Corte ouviu voto de 48 páginas de Lewandowski; a análise deve continuar hoje

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem a favor da vacinação obrigatória contra o novo coronavírus. Para o ministro, em caso de inércia da União, Estados e municípios podem decidir sobre a obrigatoriedade da imunização e até impor restrições para quem se recusar a ser vacinado. Conforme antecipou o portal do Estadão, o magistrado observou que a medida não significa vacinação à força, sem o consentimento do paciente.

O Supremo iniciou nesta quarta-feira a análise de uma ação do PDT, que quer o tribunal reconheça a competência de Estados e municípios para determinar a vacinação compulsória da população. O partido, de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro, afirma que, na corrida pela vacina, Estados precisaram se adiantar à "omissão" do Palácio do Planalto e firmaram acordos para receber e produzir imunizantes em fase de testes "na expectativa de exercer sua competência concorrente em matéria de defesa da saúde".

A discussão chegou à Suprema Corte em meio à disputa política de Bolsonaro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em torno da imunização. Por determinação de Lewandowski, relator do caso, o governo informou ao Supremo um plano com os grupos prioritários e uma previsão de 16 meses para concluir a vacinação de todos os brasileiros – mas sem data de início.

"É nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia, que se exige mais do que nunca uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação. Portanto, aqui é importante estabelecer desde logo: não é uma opção do governo vacinar ou não. É uma obrigação do governo. Não é uma faculdade", disse Lewandowski.

Três casos. O Supremo está julgando simultaneamente três casos: além do processo do PDT, também está sendo analisada uma ação do PTB, com o mesmo pano de fundo.

O outro caso examinado, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, discute se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.

"O federalismo cooperativo exige que os entes federativos se apoiem mutuamente, deixando de lado eventuais divergências ideológicas ou partidárias dos respectivos governantes, sobretudo diante da grave crise sanitária e econômica decorrente da pandemia desencadeada pelo novo coronavírus. A Constituição outorgou a todas as unidades federadas a competência comum de cuidar da saúde", acrescentou Lewandowski.

O entendimento de Lewandowski vai no sentido de dar aval para que Estados e municípios adotem "medidas indiretas" para viabilizar, na prática, a vacinação compulsória. "A obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas", ressaltou o ministro. A carteira de vacinação em dia é exigida, por exemplo, para matrícula em escolas, concursos públicos e pagamento de benefícios sociais.

Integrantes da Corte ouvidos pela reportagem fazem uma analogia com a questão do voto: ele é obrigatório no Brasil, mas o eleitor não é obrigado, à força, a comparecer à seção eleitoral. No entanto, se o eleitor não vota e não justifica a ausência, está sujeito a sanções. A lógica em torno do imunizante seria semelhante: impor restrições a quem se recusa a se vacinar.

Esse também foi o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras, no início do julgamento. Para ele, o Estado não pode coagir fisicamente o indivíduo, mas a lei prevê a responsabilização de quem descumprir a medida. "O indivíduo que se recusar sofre restrição de direitos, como o de receber benefícios", apontou Aras.

Até agora, só Lewandowski votou no julgamento – seu voto tinha 48 páginas. A discussão será retomada hoje à tarde e pode ser concluída na sextafeira, quando acontece a última sessão plenária do Supremo antes do recesso.

Obrigação

"Aqui, é importante estabelecer desde logo, não é uma opção do governo vacinar ou não. É uma obrigação do governo. Não é uma faculdade."

"A Constituição outorgou a todas as unidades federadas a competência de cuidar da saúde"

Ricardo Lewandowski

MINISTRO DO STF