Título: Brasília precisa emagrecer
Autor: Corrêa, Villas-Bôas
Fonte: Jornal do Brasil, 24/12/2008, Opinião, p. A9

Repórter político do JB

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, não costuma brilhar pelo bom senso, um ponto falho na sua luminosa cultura. Mas, não há como negar que a próxima batalha em que o invicto comandante do Exército, Marinha e Aeronáutica ¿ um estranho híbrido de desconhecidas vantagens ¿ para apressar a mudança da Escola Superior de Guerra da sua sede histórica no Rio para Brasília está dentro da lógica linear do raciocínio oficial.

Mas, se antes de bater o martelo os envolvidos na ruinosa operação pararem 10 minutos para pensar, talvez se convertam à evidência de que a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, pela estabanada urgência do então presidente Juscelino Kubitschek de um slogan para a sonhada volta no JK-65 foi atropelada por um erro tático que se desdobrou em equívocos em série.

A Brasília da ilusória promessa de uma cidade planejada pelo traço de Lúcio Costa e com o gênio de Oscar Niemeyer, projetando os palácios com as curvas sensuais e que parecem suspensos no espaço, teria uma população que não passaria dos 500 mil, no máximo 600 mil habitantes.

Acompanhei os debates veementes entre os defensores da nova capital e a má vontade dos que tentaram adiar a transferência para o serrado para o dia de são nunca. E um dos argumentos, talvez o mais convincente para a interiorização, além do blá-blá-blá da ocupação do vazio no ermo da região, era exatamente a necessidade de fugir da pressão da opinião pública da cidade maravilhosa, que disparara no crescimento sem controle e invadia os morros com as favelas pacíficas, que não conheciam o tráfico de drogas nem a violência que é o estigma de uma fase que não se sabe como e quando terminará.

Nada, absolutamente nada do que os defensores de Brasília prometiam deu certo. E quase tudo deu errado.

A mudança para uma capital em construção, sem as mínimas condições de acolher os três poderes e a máquina administrativa, ainda que submetida a uma dieta para reduzir as banhas da burocracia, foi negociada pelo governo com a recomendação de ceder até encostar-se ao muro. E foi um festival de mordomias, vantagens, dobradinhas, passagens para os parlamentares desfrutarem o fim de semana nas suas bases. Ora, quem se candidata a um mandato federal sabe que o Congresso dispõe de um latifúndio em Brasília. E ainda têm às ordens apartamentos funcionais mobiliados.

A cultura das mordomias gerou filhotes. É uma marca nos vexames da decadência ética e moral do Legislativo.

No Executivo e Judiciário o delírio de grandeza e o deslumbramento dos novos-ricos se farta com as mansões, os palácios suntuosos e os anexos sem fim.

A demagogia incontrolável mutilou a capital construída para facilitar o funcionamento do governo, transformada no aleijão de um falso estado com governador eleito (e de que qualidade!), assembléia legislativa, cópia em carbono do Congresso com todas as suas mazelas.

E a cidade inchou como obesa terminal. Dos 500 mil habitantes, passa dos 2 milhões e continua a crescer todo o dia e toda a noite. Está cercada de favelas, com todas as suas chagas, da violência, dos assaltos, dos crimes. Se alguma coisa ainda pode ser feita para salvar Brasília é tentar bloquear a sua deformação.

Em pouco mais de meio século, o Rio vem sendo destruído pelo abandono oficial. É irrecuperável. Mas, quando da mudança, a ex-Cidade Maravilhosa ainda estava muito mais ajustada para acolher a capital do que a Brasília de hoje.

Do jeito que vai, não demora a aparecer um salvador da pátria propondo a construção de uma nova capital.