Título: 2005 vai começar
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Opinião, p. A10

O ruidoso e vazio processo que definirá os novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado chega amanhã ao fim, abrindo um vasto leque de tarefas para Congresso e governo. Na disputa da Câmara, em especial, gastou-se muito tempo e dinheiro - infelizmente, sob o olhar indiferente dos eleitores - num inesgotável debate sobre as maiores benesses que os candidatos poderiam oferecer aos colegas. Reafirme-se: durante toda a disputa, não pareceu estar em jogo o futuro do mais democrático dos poderes, tampouco os desafios impostos pelo país a deputados e senadores. A surda mobilização dos bastidores e dos cochichos de plenário para o aumento da penca de vantagens, passagens, verba indenizatória, entre outras mordomias dos congressistas, ganhou os holofotes em cenas de rara decadência moral e programática. Um retumbante equívoco, com efeitos perversos para a já desgastada imagem do Legislativo. O descrédito crescente da população com seus representantes contrasta com a importância do Congresso para definir os rumos do país. Este será um ano notavelmente relevante para traçar o que o Brasil pode e deseja ser. Embora sob os ataques dos habituais palpiteiros, o Brasil começou 2005 sob o alívio da manutenção da estabilização conjugada com um expressivo crescimento econômico. A dúvida é se as bases lançadas nos dois primeiros anos de mandato do presidente Lula serão de fato aproveitadas daqui para a frente a fim de sustentar tal crescimento. Para tanto, não é demais repetir: há uma extensa agenda de reformas institucionais a completar, sem as quais o país repetirá a sina dos sucessivos vôos abortados.

É hora, por exemplo, de podar excessos e frear o crescimento dos gastos públicos correntes; promover o rejuvenescimento das instituições políticas e a desburocratização do Estado; profissionalizar o funcionalismo e pôr um ponto final no atraso da legislação trabalhista; realizar uma reforma tributária que racionalize a estrutura de impostos. Como um ano pré-eleitoral, 2005 se torna a última oportunidade para que, ainda neste mandato do presidente Lula, seja possível efetivar tais mudanças. Afinal, em 2006, no calor do debate eleitoral, o Congresso estará praticamente parado. O risco é que, já em 2005, a agenda política esbarre em manobras orientadas pela sucessão presidencial. Embora o PT e o governo afirmem e reafirmem que isso é assunto para 2006, o ano que antecede uma eleição - sobretudo a presidencial - é sempre altamente eleitoral. Não há motivos para pensar que a tradição possa ser rompida.

A eleição na Câmara acabou se transformando em mais um complicador para o futuro breve do Legislativo. Tisnado por uma rachadura de conseqüências imprevisíveis, o PT sai da disputa politicamente fragilizado - independente do vencedor. Dividido internamente, o partido do governo precisará recorrer com maior empenho ainda aos aliados, ampliando as negociações no ''varejo'' do Congresso e reforçando a gula fisiológica. Assim perdem todos. O Palácio do Planalto, porque não consegue impor a própria agenda. O Congresso, porque se desgastará novamente com a evidência da esperteza e da paralisia. E a população, porque poderá ver minguarem, mais uma vez, as poucas alternativas para garantir-lhe um futuro mais vistoso.