O Estado de São Paulo, n. 46451, 21/12/2020. Metrópole, p. A13

Brasil lança 325 mil T de plástico no mar por ano
André Borges
21/12/2020



Maioria do material não é recolhida e acaba contaminando pescado consumido no País.

Todos os dias, 890 toneladas de plásticos são despejadas no mar brasileiro. Em apenas 24 horas, bilhões de itens de plástico escorrem pelos esgotos e acessam os rios, até invadirem o litoral. São embalagens abandonadas em lixões, sacos plásticos carregados pelas chuvas, materiais deixados sobre as areias das praias que acabam no Atlântico.

Parte desse volume colossal de lixo tem sido ingerida por animais marinhos, que morrem contaminados. Outra parte é engolida por você. Esse plástico, após anos de exposição à água e à luz, acaba convertido em pequenos fragmentos, microplásticos que vão parar dentro de peixes de todas as espécies, incluindo aquelas levadas à sua mesa no almoço.

A dimensão da poluição marinha causada pelo Brasil acaba de ser medida em um estudo inédito feito por cientistas e estudiosos da organização Oceana. Por um ano e meio, os pesquisadores reuniram estudos técnicos e dados oficiais do governo para avaliar o impacto que o plástico tem causado no mar brasileiro. O Estadão teve acesso exclusivo ao relatório, que expõe a profundidade do problema e a urgência em se achar uma solução.

O Brasil é o maior produtor de plástico na América Latina, responsável por colocar 6,67 milhões de toneladas desses itens na vida cotidiana das pessoas todos os anos. A maior parte desse material não é recolhido e quase 5% vai parar no fundo do mar. São 325 mil toneladas de lixo plástico por ano despejadas no Atlântico.

O cruzamento de informações revela que nada menos que 500 bilhões de itens descartáveis de plástico são produzidos anualmente pelo País. Isso equivale a 15 mil itens por segundo. São copos, talheres, sacolas e embalagens. O problema se avoluma no momento em que grande parte desse material não é reutilizada, mas sim convertida em objeto de contaminação no minuto seguinte ao descarte.

Dada a pouca reciclagem de plástico, o material fica acumulado em aterros e lixões, isso quando não vai parar diretamente no meio ambiente, em áreas naturais, como o mar. O relatório "Um oceano livre de plástico – desafios para reduzir a poluição marinha no Brasil" mostra que há taxas divergentes sobre o alcance da reciclagem de plásticos, mas confirmam que ao menos 77% do resíduo de plástico nacional está acumulado em aterros, lixões ou disperso no meio ambiente.

A cientista marinha Lara Iwanicki, uma das responsáveis pelo estudo, explica que parte do problema se deve, de fato, à dificuldade de conscientização e de educação da população sobre como lidar com o plástico. Mas Lara chama a atenção para o papel crucial da indústria, que tem ignorado o assunto e deixado de buscar alternativas que possam reduzir o uso e consumo do polímero.

"Fica conveniente transferir essa responsabilidade de tratamento e descarte só para o consumidor e os municípios. É preciso se voltar, também, para o início do problema, com o objetivo de reduzir a quantidade de plástico descartável produzida na fonte", diz a cientista. "Incentivar a criação de outras alternativas de embalagens, por exemplo, tem o poder de impulsionar inovação. Tem uma economia nova atrás disso."

Legislação frágil. A solução passa pelo Congresso Nacional. Os especialistas afirmam que o Brasil tem hoje uma legislação que não traz efeitos práticos para controlar a produção de plásticos no País, tampouco incentiva a busca de outras alternativas para substituir o material do dia a dia da população.

"O Brasil está bastante atrasado nessa discussão. Não existe pressão popular, enquanto vemos países desenvolvidos e em desenvolvimento aprovando legislação restritivas ao plástico", diz Lara. "A China é o maior produtor do mundo e aprovou uma legislação para reduzir o consumo interno até 2025."

Em março do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar. Em junho deste ano, anunciou que coletou cerca de 400 toneladas de resíduos em praias do País, com mais de 200 ações de limpeza de praias, rios e mangues, em mais de 100 municípios, nos 17 Estados da costa nacional.

Na avaliação dos especialistas, o governo tem apenas enxugado o gelo. "Há lentidão na execução de recursos. Fora isso, não temos lei que mire a produção, responsável por gerar um volume gigantesco", diz Lara.

Transformação

"É preciso se voltar para o início do problema, com o objetivo de reduzir a quantidade de plástico produzida na fonte"

Lara Iwanicki

CIENTISTA MARINHA

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Ser humano já consome plástico até na cerveja
21/12/2020



No mundo, pessoas ingerem por ano entre 74 e 121 mil partículas; não há consenso sobre efeitos disso no corpo.
Não há como escapar. Está no ar, no açúcar, no sal, na água de torneira, na cerveja gelada. A presença de micropartículas de plásticos já faz parte do cotidiano de qualquer cidadão do mundo. Estima-se que, ao longo de um ano, cada pessoa tenha ingerido algo entre 74 e 121 mil partículas desse material.

Em agosto do ano passado, a Organização Mundial da Saúde divulgou o relatório Microplastics in drinking-water (Microplásticos na água potável), no qual analisa mais de 50 estudos sobre a presença de partículas e fibras plásticas em águas naturais, potáveis e de esgoto. O objetivo do relatório era avaliar os riscos à saúde.

Por enquanto, não há consenso sobre como esse material tem afetado a vida humana. Partículas acima de 150 micrômetros são facilmente excretadas pelo organismo e, assim, não representariam grande risco à saúde. O que se sabe é que temos ingerido essas micropartículas por meio de ingestão e inalação. E comer plástico não parece a melhor das ideias.

Entre os dados consolidados pela organização Oceana estão resultados de uma pesquisa feita no ano passado por cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, que analisou as quantidades dessas partículas e diversos produtos e substâncias. A água engarrafada aparece no topo da lista daqueles que apresentaram maior presença de microplástico, seguida por cerveja, ar, água de torneira, frutos do mar, açúcar e sal.

Um estudo da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria, encontrou partículas de microplásticos em fezes humanas em indivíduos em oito países diferentes: Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Reino Unido e Áustria.

"Todos eles tinham tido contato com comida embalada por plástico e seis haviam comido peixes e frutos do mar durante o período de observação do experimento. Cerca de 95% das fezes continham 20 partículas de microplástico a cada 10 gramas", afirma o relatório.

Animais. Os dados sobre os prejuízos à vida marinha são bem mais visíveis. Entre 2015 e 2019, foram feitas 29.010 necropsias de aves, répteis e mamíferos marinhos encontrados nas praias das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Desse total, 3.725 animais, entre golfinhos, baleias, aves e répteis, tinham ingerido detritos plásticos. Treze porcento deles tiveram a morte diretamente associada ao consumo desses materiais.

A projeção é de que existam, pelo menos, 5 trilhões de pedaços de plásticos nos mares. A maior parte desse material está dispersa e é formada por pedaços pequenos demais (até um milímetro) para serem coletados por limpezas de praia ou em alto-mar. O material leva centenas de anos para se decompor.

Para você saber

De acordo com pesquisa da Universidade de Victoria, no Canadá, a água engarrafada aparece no topo da lista de produtos e substâncias que apresentaram maior presença de microplástico, seguida por cerveja, ar, água de torneira, frutos do mar, açúcar e sal