Título: A esquecida malha de trilhos
Autor: Antonio Ermírio de Moraes
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

A queda da ponte da Rodovia Regis Bittencourt, em Campina Grande do Sul (PR), a subseqüente interrupção da estrada por mais de dez horas devido a deslizamento de terra em Miracatu (SP) e as crateras que dominam toda a malha rodoviária federal puseram em evidência a precaríssima situação do nosso transporte rodoviário. Escrevi nesta coluna uma série de artigos antecipando os lamentáveis fatos ocorridos e enaltecendo a necessidade de se levar a sério os investimentos em infra-estrutura. Mais grave, escrevi também, em 1994, a respeito da lamentável situação do transporte ferroviário ao registrar que o Brasil possuía, naquele ano, apenas 30 mil quilômetros de ferrovias, enquanto que o minúsculo Japão tinha 43 mil quilômetros, a França (do tamanho de Minas Gerais) tinha 35 mil quilômetros, a China, quase 60 mil quilômetros, a Índia 62 mil e os países da ex-União Soviética, tinham 150 mil quilômetros de ferrovias.

Ressaltei o absurdo de um país continental como o Brasil ter a metade da rede ferroviária da Índia. Passados dez anos, a Agência Nacional de Transportes Terrestres diz que esse número desceu para 29 mil quilômetros e uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (10/2) registrou apenas 28 mil quilômetros.

Com tanta necessidade de transporte barato, especialmente para cargas pesadas e de baixo valor agregado, o Brasil transporta apenas 20% de sua produção através das suas ferrovias. Isso já fora visto por Irineu Evangelista de Souza - o Visconde de Mauá - que, em 1854, bancou pessoalmente o custo da primeira ferrovia de 18 quilômetros, a Rio-Petrópolis e, em seguida, associou-se com os ingleses para construir mais três projetos ousados: a ferrovia Recife-São Francisco, a D. Pedro 2º (depois Central do Brasil) e a São Paulo Railway (rebatizada de Santos Jundiaí).

Quando Mauá começou esses empreendimentos, os Estados Unidos já possuíam 40 mil quilômetros de estradas de ferro. Hoje tem mais de 200 mil e o Brasil baixou para 28 mil. Isso não tem cabimento...

Argumenta-se que o custo de construção de uma ferrovia é muito alto. Mas, quem assim pensa, desconsidera as despesas de uma rodovia. O transporte por automóvel ou caminhão é altamente subsidiado. Os usuários não pagam tudo o que usam e ocasionam nas estradas, mesmo nas pedagiadas. O uso de veículos automotores gera inúmeras despesas indiretas tais como o policiamento, os serviços de emergência, a engenharia de tráfego, a recuperação dos feridos, o provimento de espaço para estacionamento, o congestionamento, a poluição, sem contar as vidas que se perdem em milhares de acidentes. Os Estados Unidos estimam esses custos em US$ 300 bilhões por ano!

Não há a menor dúvida. Precisamos recuperar a precária malha rodoviária. E com urgência. Mas não podemos continuar sem metas no campo ferroviário. Não podemos assistir passivamente o encolhimento da já ínfima rede ferroviária do país.