Título: A rocha no topo da montanha
Autor: Marcos Troyjo
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

O ano de 2005 representa momento inédito para a inserção internacional da economia brasileira. A cerca de ano e meio para as próximas eleições presidenciais, é tempo de escolhas. As opções estratégicas para o país aparecem de forma cristalina. Apresentam-se: (i) um modelo que privilegia o perfil do país como tomador de grandes empréstimos internacionais; de vultosas emissões de títulos financeiros, de aumento do passivo externo, e

(ii) uma estratégia que entende ser o comércio exterior a melhor maneira de oferecer ao Brasil crescimento sustentado de longo prazo; que enfatiza o setor produtivo sobre o financeiro.

A situação pode ser descrita como a de uma rocha esférica colocada no topo da montanha. A rocha virá montanha abaixo. Se cair para um lado, o prolongamento de nossa vocação para o endividamento. Se para o outro, a possibilidade de crescentemente consolidarmo-nos como ''nação-comerciante''.

Se a oscilação se der para o lado da expansão do endividamento, o Brasil voltará a arrastar-se na trilha do velho modelo que, ao sabor dos níveis internacionais de liquidez, oxigena com mais ou menos recursos a capacidade brasileira de investir. Neste modelo, os termos fortes são ''endividar-se e honrar compromissos''.

Se o movimento pender para o campo do comércio, o Brasil começará a quebrar uma inércia de décadas, o que parecia haver-se iniciado em 2002. Compelidos pelo ''exportar ou morrer'', ultrapassamos o teto que limitava historicamente os fluxos de comércio internacional do Brasil a menos de 10% do PIB. Em 2004, esta fatia chegou a 25%, com exportações à beira dos US$ 100 bilhões. Aqui, o termo forte é ''vender''.

Ambas as vias apresentaram-se ao longo dos últimos 60 anos para a economia brasileira. O país majoritariamente elegeu o primeiro modelo - o financeiro - para seu perfil internacional. Dos empréstimos governo-a-governo do segundo pós-guerra, passando pelas dívidas assumidas junto aos grandes bancos comerciais nos anos 60 e 70, e por fim o Consenso de Washington nos 90, o Brasil tem sido um ''país-devedor''.

Bem ao contrário, para os países que recorreram em menor escala à banca internacional e concentraram esforços na formação de poupança via comércio internacional, os últimos 25 anos têm sido de crescimento sustentado e desenvolvimento tecnológico, como mostra o caso da China e Coréia do Sul. São ''países-vendedores''.

Para os que poupam muito pouco de seu PIB, como é o caso do Brasil, não há mágica. É vender ou endividar-se. Mesmo em 2004 não chegamos a poupar 20% do produto interno. Russos e indianos estão poupando 25%. Os chineses mais de 40%.

A expansão do passivo externo ou a acumulação de repetidos superávits comerciais são, grosso modo, os únicos meios para a criação de um ''colchão de recursos'' que viabilize investimentos para o país.

Tanto o caminho financeiro quanto o comercial estão abertos. O mundo de 2005 se apresenta em grande liquidez. Com as taxas de juros em patamares bastante reduzidos em todas as praças desenvolvidas, investidores de curto prazo tornaram a voltar seus olhos para o Brasil.

Nessa categoria ''emergente'', o Brasil reina quase sozinho como destino de investimentos de portifólio. Não tem a seu lado, como na segunda metade dos anos 90, a competição de asiáticos, Rússia ou mesmo Argentina. Tampouco enfrenta a febre de investimentos em tecnologias da informação com as ações das ''dotcoms'' ou mesmo a atratibilidade de grandes conglomerados empresariais que se mostraram falcatruas contábeis.

Já nos IEDs (Investimentos Estrangeiros Diretos), que podiam vir ao país para aqui estabelecer plataformas de exportação, continuamos a despencar na tabela. Em 2000, ocupávamos a 3ª posição, hoje, a 14ª. De acordo com o Foreign Direct Investment Confidence Index, da consultoria AT. Kearney, o Brasil, que em 2003 aparecia em 9º lugar na preferência como destino de IEDs, em 2004 caiu para a 17ª posição.

Está, portanto, fácil endividar-se. E a tentação é grande. A gestão macroeconômica conservadora do governo Lula ajuda a opção pela via financeira. O encolhimento do risco-país de 2.400 pontos à época da eleição de 2002 para cerca de 400 no início de fevereiro reabriu a comporta dos dólares que fluem para uma ''breve escala'' na economia brasileira. Real forte e altas taxas de juros combinam-se às mil maravilhas para produzir sensação de - efêmera - prosperidade. Já vimos este filme antes, mais precisamente nos anos 90, década desperdiçada para o comércio exterior brasileiro.

Fortalecer a opção comercial sobre a financeira representa grande desafio para governo e sociedade do Brasil. Que país seríamos se daqui a cinco anos acumulássemos no período superávit comercial de US$ 200 bilhões? Não seria estupendo o impacto da diminuição expressiva da relação dívida externa/exportações para a própria contração de novos empréstimos internacionais?

A via comercial implica sacrifícios - e não se prostrar à espera de que o desenlace de acordos nos tabuleiros da Alca, OMC ou União Européia nos sorria favoravelmente. Cumpre a inclusão de micro e pequenas empresas no universo exportador, o fortalecimento dos postos de promoção comercial no exterior; uma postura mais agressiva das FIES (Federações da Indústria dos Estados) na busca de mercados internacionais.

''Vender'' dá mais trabalho que ''endividar-se''. Os benefícios, porém, estendem-se por décadas - e não apenas até o próximo ciclo eleitoral. É o caminho para que, como deseja o presidente da República e todos os brasileiros, o século 21 seja do Brasil.