Título: Para fazer gostar de ler
Autor: Alexandre Werneck
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Caderno B, p. B1

O fato que não se pode negar é que há dois perfis de livrarias e atendentes em jogo na pesquisa. As das grandes redes se assemelham mais a supermercados e, salvo alguns casos, seguem um modelo mais self service, que atende bem a compradores que sabem o que querem e vão direto aos terminais de pesquisa. É o caso, por exemplo, do escritor João Paulo Cuenca, colunista do Caderno B, que diz ir à livraria sabendo o que quer. Para ele, entretanto, embora seja fundamental que o vendedor entenda a fundo de livros, a atividade não deve ser vista como profissão: - Vender livro tem que ser um trabalho temporário, enquanto a pessoa espera para se formar.

Segundo Ricardo Carvalhal, da Saraiva, esse modelo do leitor independente está sendo revisto:

- O conceito de megastore começou achando que o cliente se viraria sozinho na loja. Mas descobrimos que vender cultura é diferente de vender comida em um mercado. Se alguém vai comprar um detergente e não acha, leva outra marca, uma mais barata. No caso do livro, é preciso que o atendente assessore. É o que estamos estimulando.

Nas livrarias do outro modelo, em que os clientes demandam mais pelos atendentes, parece, os livreiros são mais valorizados:

- Eles são o maior valor do nosso acervo. Pode parecer cabotino dizer isso, mas se não entendemos assim, não sobrevivemos no negócio - diz Marcos Gasparian, dono da Argumento e também palestrante do curso da Estação das Letras. Sua livraria, aliás, nasceu, nos anos 70, como um espaço de venda de obras especializadas e mantém uma tradição de vendedores que tratam vender livro como profissão e não como trabalho temporário.

É o caso, por exemplo, de Ludmila Miranda, de 27 anos, livreira na Travessa há três. Formada em letras e com pós-graduação em literatura infantil, ela é responsável por essa área e pelas de psicologia e pedagogia na loja da rede na Travessa do Ouvidor, no Centro. Ela, que chegou a trabalhar um ano na Saraiva, diz que em seu atual emprego os compradores cada vez mais demandam dela e de seus colegas:

- É um trabalho que exige comprometimento. Cada vez mais indicamos livros a gente que não sabe exatamente o que quer ou que deseja ler outras coisas relacionadas ao que já leram de um autor ou sobre um determinado tema.

Já sua colega Adriana Pinto, de 37 anos, trabalha há seis anos na Siciliano de Copacabana. Ponto fora da curva de seu tipo de livraria, ela é formada em fonoaudiologia e chegou a trabalhar cinco anos na sua profissão até ficar desempregada e ir para a Siciliano. Fã de literatura policial, ela não acha que os atendentes das megastores sejam pouco qualificados. Ela, que ganha cerca de R$ 600, também discorda que o salário seja desculpa para isso:

- Isso depende de cada um.

Outro dado encontrado pela pesquisa que quebra estereótipos foram as áreas de estudo dos livreiros universitários. Tradicionalmente associada a quatro áreas - letras, comunicação, ciências sociais e filosofia -, a formação de 70% daqueles que estudam enquanto trabalham está em outras profissões. Das ''antigas'', letras e comunicação empatam na preferência com 9%. Isso pode fazer um contraponto interessante com a interpretação da professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da UniCarioca que analisou os dados. Para Albertina Ramos, a pesquisa serve para chamar a atenção para o fato de que se lê cada vez menos literatura no Brasil (ela usa para isso os 40% obtidos pela ficção entre os gêneros mais lidos pelos atendentes, para ela um índice baixo, mesmo sendo o segundo maior, atrás do item ''outros'').

- Nessa idade (a maioria, vale lembrar, está entre 21 e 30 anos), os hábitos de leitura já estão consolidados. Eles estão lendo mais os livros específicos de suas carreiras e pouca literatura, apesar do Guimarães Rosa.

A citação ao autor de Grande sertão: veredas tem a ver com o último trecho da pesquisa, que submeteu aos livreiros três listas de livros. A primeira delas - elaborada pelo Caderno Idéias - com livros clássicos, de certa forma ''obrigatórios''. Mais uma vez, o item teve a intenção de verificar preferências e não de avaliar conhecimentos. Grande sertão foi o mais lido, com 30% dos votos, na frente de Odisséia, de Homero, Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, e de Moby Dick, de Herman Melville. Claro, como foi uma lista subjetiva, a contagem esbarra no gosto pessoal dos leitores.

Para a professora Maura Sardinha, coordenadora do curso de Produção Editorial da Escola de Comunicação da UFRJ, o caminho para a leitura está cada vez mais nas livrarias pequenas. Segundo ela, a mudança nos hábitos de leitura da classe média deve cada vez mais lançar luz sobre os livreiros:

- Muita gente que não tem hábitos de leitura vai cada vez mais às livrarias e fica aterrorizada. Aí entra a psicologia do vendedor, que tem um papel importante no incentivo à leitura, já que ele é que pode fazer a pessoa voltar ou não à loja.