Título: Livreiros em pauta
Autor: Alexandre Werneck
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Caderno B, p. B1

Pesquisa inédita feita pelo Laboratório UniCarioca a pedido do Jornal do Brasil traça um perfil dos atendentes de livrarias do Rio, mostra as diferenças entre funcionários de grandes e pequenas lojas e o alto hábito de leitura Não resta dúvida de que, nos últimos anos, ler e estar informado sobre o que acontece no mundo literário virou uma condição elementar para a classe média carioca. Estar na moda é falar de O código Da Vinci na fila do pão ou dar de presente alguma seleção de crônicas de Luis Fernando Veríssimo. A principal marca disso é que as livrarias viraram verdadeiros pontos de encontro e visitação e que as bienais do livro batem, a cada edição, recordes de número de visitantes. Ora, uma livraria é uma loja. Vende um produto. Mas o que se vende em livraria não é a mesma coisa que se vende em um supermercado. É cultura. Por isso mesmo, nos últimos tempos, cada vez mais atenção recai sobre a figura responsável por intermediar a relação entre aquelas grandes estantes e seus freqüentadores. Pois é, os atendentes passaram a ser mais exigidos, criticados por um lado, elogiados por outro, mas viraram assunto de debate e índice de profissionalização das livrarias.

Tanto é que, há duas semanas, a empresa de eventos culturais Estação das Letras (a mesma que promove as Rodas de Leitura, no Centro Cultural Banco do Brasil) promoveu, a pedido das livrarias e com promessa de outras edições, um curso de formação para esses profissionais, que começam a ser chamados de ''livreiros'', em lugar do trivial nome de ''atendentes''.

- Há dois tipos de pessoas que trabalham em livrarias hoje na cidade: as que vendem e conhecem muito bem o livro e as que poderiam estar vendendo qualquer outra coisa, que atendem, mas ficam no básico. Faz toda a diferença você ser atendido por quem conhece, porque às vezes a gente vai à livraria sabendo o que quer, mas às vezes precisamos de uma orientação - diz o filósofo e escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza, palestrante no último dia do curso e um freqüentador assíduo de livrarias.

Para conhecer melhor esse grupo, o Jornal do Brasil encomendou uma pesquisa inédita, executada pelo Laboratório UniCarioca de Pesquisas Aplicadas (Luma), traçando um perfil socio-econômico e um mapa aproximado de hábitos de leitura desses personagens, que se tornaram centrais no cenário cultural de uma cidade como o Rio. A organizadora do curso da Estação das Letras, Suzana Vargas, diz que o mercado tem sentido falta da profissionalização maior dos - também vamos chamá-los assim - livreiros:

- Vender livro não é como vender vestido. Por conta disso é que se tem procurado cada vez mais atendentes universitários. O ideal, entretanto, é que eles fossem profissionais formados mesmo.

A pesquisa não teve por objetivo testar conhecimentos de atendentes ou avaliar qualidade de atendimento. O propósito foi analisar a relação entre um produto cultural e pessoas que trabalham horas por dia com ele. O método foi uma coleta de dados via questionário. Foram ouvidos, em 28 de janeiro, 107 atendentes de três redes de livrarias de formato megastore - Saraiva, Siciliano e Fnac - e de três outras de perfil, digamos, mais intimista - Travessa, Letras & Expressões e Argumento. A Sodiler não respondeu ao convite para tomar parte na pesquisa. O número de atendentes entrevistados é uma amostra estatística de um total de 275 funcionários (dado fornecido pelas próprias empresas).

O resultado desmente vários mitos. De imediato, chama a atenção o certo equilíbrio entre os níveis educacionais dos livreiros: a maioria, 52%, tem nível secundário; e 41% cursa ou tem nível superior completo. Apenas 6% têm o fundamental e pouquíssimos têm mestrado (2%). Como se poderia prever, entretanto, a maior parte de atendentes sem nível superior está nas lojas de rede.

- Concluímos que o fato de a pessoa ter nível superior não significa que tenhamos um vendedor mais culto e mais conhecedor de livros. Passamos a dar mais importância a entrevistas do que à formação na seleção de funcionários - explica Ricardo Carvalhal, diretor de operações da Saraiva, que trouxe o conceito de megastore para o Rio em 1997.

Essa divisão dialoga de forma curiosa com a faixa etária: 43% dos atendentes está entre 21 e 26 anos; 20%, entre 27 e 30 anos; e 33%, entre 31 e 40. O dado interessante é que 34% dos atendentes trabalham em livrarias há menos de um ano e outros 30%, entre um e três anos, sugerindo considerável rotatividade nessa função, na qual o emprego dificilmente é encarado como carreira. A maior parte parece estar trabalhando temporariamente, enquanto estuda. Todos esses dados conduzem outra polaridade de perfil: os atendentes das livrarias intimistas são, em média, mais velhos, de nível educacional mais alto e mais bem pagos que os das megastores. O salário, aliás, é um dado apontado por quem critica os atendimentos das lojas de rede: os funcionários seriam menos qualificados, o que seria motivado por salários mais baixos. O fato é que enquanto um livreiro de grande rede fica ali pelos R$ 600, um das intimistas pode receber R$ 1.500.

O que isso tem a ver com hábitos de leitura? Ora, 34% dos entrevistados afirmaram ter lido mais de 10 livros no último ano. Leram entre 6 e 10, 29%; e outros 27% leram de 2 a 5. Apenas 10% disseram ter lido apenas um livro. Todas as livrarias pesquisadas possuem mecanismos de incentivo para a leitura dos funcionários. Por exemplo: a Saraiva mantém um acervo para empréstimo, a Travessa empresta do acervo das prateleiras e a Argumento dá R$ 150 mensais para o vendedor comprar os livros que quiser.

A explicação dado pelo executivo da Saraiva sobre os salários - que serve para as todas megastores - é que suas lojas são em geral localizadas em shoppings, o que encarece muito suas operações e dificulta pagar melhor. As políticas de incentivo à leitura são entendidas pelas empresas como benefícios (que se somam aos trabalhistas normais).