Título: Espanha assume imigrantes
Autor: Olivia Hirsch
Fonte: Jornal do Brasil, 13/02/2005, Internacional, p. A13

Processo de regularização pretende contemplar 1 milhão de pessoas que vivem e trabalham ilegalmente no país

O plano de regularização de imigrantes lançado pelo governo espanhol na última semana é ambicioso: pretende contemplar até 1 milhão de pessoas que vivem e trabalham ilegalmente na Espanha - destino próximo para os africanos e familiar para os sul-americanos. A campanha, que recebeu críticas de vizinhos da União Européia, vai durar até o mês de maio.

Curiosamente, na mesma semana um grupo de 227 pessoas da África negra - um dos maiores até agora a tentar alcançar terras espanholas por via marítima - foi interceptado quando se aproximava das Ilhas Canárias. O caso não podia ter servido melhor aos partidos de direita. Membros do Partido Popular, do ex-primeiro-ministro José Maria Aznar, alegam que a nova política de imigração atrairá ainda mais estrangeiros que partem em busca de melhores oportunidades. O país, segundo cifras oficiais divulgadas na quinta-feira, abriga atualmente 3,5 milhões de imigrantes, número que representa 8% da população. Em 2000, eles eram 2,3% do total.

- É muito fácil disseminar a inquietude com argumentos demagógicos. Setores da direita política e da imprensa têm contribuído muito para isso - explicou ao JB o professor Javier de Lucas, especialista em políticas de imigração da Universidade de Valência. - Eles só vêm porque a demanda por mão-de-obra é real.

O receio da população em relação aos imigrantes se reflete nas pesquisas: os espanhóis apontam que este é o terceiro maior problema enfrentado pelo país hoje, depois do desemprego e do terrorismo.

- Não faz sentido achar que a medida vai atrair novos imigrantes. As pessoas precisam comprovar que chegaram antes para tentar regularizar sua situação. Além disso, a ilegalidade nunca foi empecilho para os que querem tentar a vida em outro país - afirmou Mamadou Magassa Cisse, da Associação de Senegaleses da comunidade autônoma de Murcia.

Segundo Mamadou, há agora uma busca desesperada por emprego entre os imigrantes. Eles temem que depois que termine o prazo de regularização, o governo endureça as políticas contra os ilegais. A necessidade de um contrato de trabalho é apenas um dos quesitos do processo. Há que se comprovar, por meio de uma inscrição na Prefeitura, que se chegou ao país pelo menos seis meses antes. Além disso, é necessário mostrar que não se tem antecedentes penais no país de origem.

- Muitos não terão condições de atender a todos os ítens. Cálculos menos otimistas indicam que apenas 500 mil conseguirão - diz De Lucas. - Países como Venezuela, por exemplo, sequer possuem certificados de antecedentes penais. No Equador, o processo para se adquirir um é muito lento e provavelmente não terminará antes de maio.

Apesar de ser sem precedentes, a política implementada pelo governo socialista do premier José Rodriguez Zapatero foi motivada, na opinião do especialista, por questões ''egoístas''. Segundo De Lucas, o país não pode permanecer com 1 milhão de pessoas que ''não existem socialmente'' nem contribuem com a previdência social.

Mas um dos maiores entraves para o êxito do programa tem suas origens na própria Espanha. Há no país, explica o professor, uma forte demanda por mão-de-obra irregular.

- Muitos empregadores preferem os que estão em situação ilegal porque não precisam pagar previdência, aceitam trabalhar mais horas e por salários mais baixos - afirma. - A oferta oficial aos estrangeiros no país de origem é de 25 mil postos ao ano. Mas na realidade 700 mil estão trabalhando aqui.

- A Velha Europa, onde tudo acontecia de maneira formal, já não é mais a mesma - comenta Mamadou, que chegou há 20 anos na Espanha.