O Estado de S. Paulo, n. 46449, 19/12/2020. Política, p. A4

 

PGR tem de apurar ajuda a Flávio, determina Cármen

Rafael Moraes Moura

19/12/2020

 

  

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-geral da República (PGR) investigue as suspeitas de que o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, orientou a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das “rachadinhas”. A ministra também fixou um prazo de 30 dias para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, informe as “ações efetivamente adotadas para a elucidação dos fatos”.

Na PGR e no Supremo, a decisão foi interpretada como uma forma de pressionar e até constranger Aras a apurar o caso. O procurador-geral disse na terça-feira passada que as acusações são “graves”, mas alegou que ainda faltam provas para confirmar o episódio. Em entrevista à revista Época publicada ontem, a advogada de Flávio Bolsonaro, Luciana Pires, admite ter recebido relatório informal de Ramagem dando coordenadas de como agir para tentar inocentar o parlamentar no caso.

Cármen determinou que a PGR seja notificada “para investigar os fatos descritos” e listou uma série de crimes que podem ter sido cometidos, tanto no campo penal quanto no administrativo: prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa.

“Não se pode desconhecer a seriedade do quadro. Os fatos descritos precisam ser investigados e sobre eles há de exigir conclusão dos órgãos competentes em sede jurídica própria. Podem estar presentes indícios que podem indicar prática de delito praticado por autoridade com foro por prerrogativa de função”, escreveu a ministra.

O diretor-geral da Abin não possui foro privilegiado. Fontes que acompanham o caso apontam que, ainda que a ministra não faça referência a nomes, o trecho da decisão pode fazer referência não apenas a Flávio, como ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e até mesmo ao próprio presidente Jair Bolsonaro.

Cármen ainda destacou na decisão um julgamento do STF, ocorrido em agosto, que impôs limites ao compartilhamento de dados de órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – a Abin é o órgão central do sistema, que reúne informações estratégicas de vários órgãos federais. “Ficou cravado não ser admissível abuso de direito e desvio de finalidade, caracterizado pelo uso do espaço e dos órgãos e instrumentos públicos para atender interesses particulares.”

Afastamento. Logo depois da decisão de Cármen, a Rede e o PSB pediram ao Supremo o afastamento de Ramagem do cargo. Segundo os partidos, “o temor da existência de uma Abin paralela efetivamente está se concretizando no mundo real”.

No Palácio do Planalto, a avaliação é a de que por ora nada acontecerá com Ramagem, considerado um nome de confiança do presidente e de seus filhos. A postura é manter o silêncio e aguardar o desenrolar das investigações.

A orientação da Abin à defesa do Flávio foi revelada na semana passada, também pela Época, e confirmada pelo Estadão. Em dois documentos enviados à advogada, há detalhes do funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo a defesa do senador, teria feito uma devassa nos dados fiscais do filho do presidente. Em um dos textos, a finalidade descrita é “Defender FB no caso Alerj”.

Após Cármen cobrar informações na segunda-feira passada, a Abin alegou ao Supremo que não existe “relatório produzido institucionalmente” pela agência a favor de Flávio. A ministra, porém, determina que seja esclarecido se houve a produção de algum documento mesmo que não institucionalmente pelo órgão.

O filho do presidente é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de comandar um esquema que desviava salários de funcionários do seu gabinete no período em que era deputado estadual a chamada “rachadinha”. Flávio nega as acusações.

Críticas. Nos bastidores do Ministério Público Federal, Aras tem sido criticado por demorar a tomar medidas no caso. Após a primeira reportagem sobre o tema, em outubro, o procurador recebeu representações de parlamentares da oposição, mas não chegou a pedir informações à Abin e ao GSI. Somente com novas informações, indicando a produção de um relatório, ainda que informal, é que o órgão decidiu pedir informações.

A PGR, por sua vez, informou que não havia sido notificada oficialmente até a noite de ontem, mas observou que já abriu uma apuração preliminar sobre os fatos. / COLABORARAM BRENO PIRES E JUSSARA SOARES