Título: Denise, ex-Anac, vira ré por fraude
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2009, País, p. A7

Para Justiça, ex-diretora é responsável por documento que resultou na liberação da pista

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

O inferno astral da ex-diretora-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu está longe de terminar. A Justiça Federal de São Paulo aceitou ontem a denúncia em que ela é apontada como a responsável pela norma supostamente fraudulenta que levou a desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a levantar a interdição do Aeroporto de Congonhas onde, em julho de 2007, o Aribus da TAM varou a pista escorregadia, bateu num prédio da empresa e explodiu, matando 199 pessoas. A procuradora Thaméa Denelon afirma que Denise Abreu apresentou o resultado de um estudo interno como se fosse um documento oficial da Anac, o que acabou induzindo a Justiça a liberar a pista.

Nas investigações da Polícia Civil de São Paulo, concluídas em dezembro do ano passado, Denise Abreu e mais 10 funcionários da Anac e da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) foram apontadas como responsáveis pelos erros que causaram o acidente. Em relatório encaminhado à Justiça Federal, o promotor Mário Sarruba sugeriu que todos fossem denunciados por homicídio culposo e apontava as condições escorregadias da pista principal de Congonhas e o travamento de um dos reversos do Airbus como fatores que contribuíram para a tragédia.

Caso esta denúncia seja aceita, ela poderá ser processada também por homicídio culposo, cuja pena prevista varia de seis meses a dois anos de detenção, mas passível de acordo desde que o acusado admita o crime. Nesse caso, em vez de prisão, a justiça opta por uma sentença em que o réu presta serviços comunitários. O advogado da ex-diretora da Anac, Roberto Podval anunciou que vai recorrer da decisão por entender que ela é equivocada.

¿ A denúncia é por falsificação de documentos e uso de documento falso. Essas acusações foram excluídas. A juíza corrigiu a denúncia e acrescentou a acusação de fraude processual. Como pode julgar um caso que ela corrigiu? ¿ diz Podval.

A juíza federal Paula Mantovani Avelino diz, em seu despacho, que não há dúvida sobre a responsabilidade de Denise Abreu, que não só teria apresentado como norma um simples estudo interno, como também a defendeu verbalmente durante reunião com a desembargadora Cecília Marcondes, onde a Anac recorria contra a interdição da pista principal do Aeroporto de Congonhas. Diante dos argumentos apresentados à época, cinco meses antes do acidente, a interdição da pista ¿ sem ranhuras e vetada a pousos nos dias chuvosos em que a lâmina d¿água chegasse a três milímetros ¿ foi levantada.

¿ Não se impugnou a norma em si ou suas descrições e instruções, mas sim sua utilização num recurso como norma que já vigorava no ordenamento jurídico, criando obrigações decorrentes ¿ diz a magistrada.

Os indícios envolvendo Denise Abreu, que tinha a atribuição de representar a autarquia e zelar pela credibilidade interna e externa, segundo a juíza, não foram contestados pela defesa do agravo. O artigo 347 do Código Penal define a conduta como um ato de "inovar artificiosamente" com o fim de induzir a erro juiz ou o perito.

Ouvida em depoimento, a desembargadora Cecília Marcondes sustenta que Denise Abreu conduziu a reunião da Anac com a Justiça no dia 22 de fevereiro de 2007 e chegou a sustentar que a norma (conhecida pela sigla de IS-RHBA) havia sido publicada no site da agência e que, portanto, estava valendo. Conforme a desembargadora, o documento foi definitivo para a decisão que ela própria tomou logo em seguida, liberando a pista para pousos e decolagens.