Título: A Carta das raças
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2009, Internacional, p. A23

Andrés Torrez Villa-Gómez

CONSULTOR DE ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS

Os antecedentes de uma Constituição fracassada são inúmeros. A oportunidade foi grande, mas a inteligência para aproveitá-la foi escassa ou nula. A Constituição compartilhou uma experiência que explica por si só por que a proposta do governo é a de sempre, quando poderia ser pedra fundamental de uma nova nação.

Quando Evo Morales visitou a África do Sul, em 2006, o presidente Thabo Mbeki lhe deu quatro conselhos essenciais que nunca foram levados em conta. O primeiro foi que aproveitasse a oportunidade de ser eleito com grande maioria para um conserto nacional. Para isto deveria liderar a aproximação dos setores que desconfiavam de sua gestão e garantir um governo para todos.

Segundo: que usasse a visibilidade para converter-se em embaixador da Bolívia para buscar sócios que invistam no país. O presidente da África do Sul explicou a Morales que o privilégio de ter a comunidade internacional dependente de seu país era uma oportunidade em um milhão e que a África do Sul a valorizou para converter-se em aliado para investimentos.

O terceiro foi fazer uma aliança com o meio empresarial para construir estratégia conjunta sobre a qual se formaria a futura nação plural e diversificada, incluindo novas elites indígenas. Mbeki sugeriu convocar empresários para desenvolver um processo de inclusão, garantindo investimentos e um governo promotor da produção privada.

O quarto foi direcionado ao processo constituinte, onde Mbeki o aconselhou que a Assembléia deveria ser autônoma, com independência que garantisse sua legitimidade e a aprovação dos bolivianos, especialmente da oposição.

E sugeriu que esta se convertesse na Assembléia do povo, que evitasse a manipulação e controle do seu caminho mas que guiasse a eficiência de sua gestação. Que apoiasse um processo abrangente sem exclusões, em que o texto final seria aprovado por 90% como pedra fundamental de nova nação acima de Evo e de qualquer outro.

Ao voltar da tão importante visita o presidente Morales declarou que a África do Sul era neoliberal, que havia vendido os bancos e que Mandela não foi capaz de mudar nada.

Na principal visita do governo da África do Sul à Bolívia, autoridades se preocuparam em fazer lobby para que a África do Sul apoiasse a nomeação de Evo ao prêmio Nobel da Paz, em vez de aproveitar sua experiência na condução do processo constituinte mais importante das democracias modernas.

É claro que a África do Sul é um exemplo de inclusão e desenvolvimento. É a principal economia do continente africano. Na Constituição sul-africana não se menciona a palavra "negro" uma só vez. Mandela dizia que se mencionasse estaria reconhecendo que negros são diferentes do resto dos cidadãos. A luta pela liberdade de Mandela era a luta para libertar brancos e negros da idéia de pensar que são diferentes.

A Constituição deveria ser um instrumento de unificação bolivianos. Sem dúvida, seus artigos são ferramentas de confrontação e racismo. Classificam os bolivianos em raças e grupos. "Raça, quando se fala de raças, se alguém ganha todos perdem", disse Nelson Mandela.