Título: Pacto com dissidência
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2009, Internacional, p. A23
A aprovação da nova Carta constitucional no referendo realizado no domingo passado na Bolívia revela um avanço significativo para o governo Morales. A aprovação manteria expectativas positivas nas amplas massas populares sobre a ampliação da democracia participativa e a mudança do país.
Para o governo e as forças políticas que o apóiam ¿ movimentos sociais, setores de esquerda, e principalmente camponeses e indígenas ¿ trata-se de uma vitória contra a oposição autonomista da chamada Meia Lua, liderada pelos latifundiários e empresários, apoiada pelo capital estrangeiro, principalmente de transnacionais petrolíferas.
Conforme o próprio Morales manifestou, depois de terminado o referendo, a maioria do povo boliviano aprovou o projeto político do MAS que tenta refundar o país com novas bases socio-políticas. Estariam sendo beneficiadas as amplas massas camponesas e indígenas cronicamente excluídas do processo político nacional e do processo decisório governamental e estatal. Já para a oposição o resultado do referendo demonstraria a força das regiões autonomistas contra a reforma constitucional, considerada estatista e indigenista.
Um pequeno balanço dos resultados do referendo nos leva a fazer duas observações pontuais. Em primeiro lugar, para o governo Morales seria uma vitória política na medida em que conseguiu culminar o projeto de reforma constitucional ¿ um dos pontos principais do seu programa político ¿ depois de um período de oposição rasteira dos setores autonomistas e dos sérios conflitos entre os dois setores. De certa forma, o governo conseguiu incluir as massas indígenas e camponesas na vida política do país, um processo de ampliação da democracia e da cidadania que completaria o ciclo da revolução nacional de 1952. Estaria tentando redefinir o país num novo padrão de nacionalismo.
Este pode ser designado como um nacionalismo indígena-camponês com o amplo apoio dos setores marginalizados: trabalhadores, desempregados, moradores das cidades, movimentos populares urbanos, etc. Trata-se de uma revolução democrática nacionalista com o objetivo de ampliar a cidadania e, sobretudo, o capitalismo na Bolívia, e não o socialismo conforme o discurso governamental. Tentaria recuperar a soberania do país, recuperar o poder do Estado, dinamizar a democracia participativa, dinamizar as autonomias e colocar certo limite a ação do capital estrangeiro sem entrar em confronto direto com este.
Em segundo, a vitória é relativa, pois os setores autonomistas manterão sua oposição rasteira com o fim de empurrá-lo a posições menos radicais e mais conservadoras, contrariamente as posições dos movimentos populares. O que significa que a oposição ainda mantém o governo Morales como refém político desde o início do processo constituinte, quando foi obrigado a fazer um pacto com opositores em relação a pontos cruciais: reforma agrária, nacionalização do petróleo e autonomias departamentais, contrariamente ao que defendia.
E o resultado do referendo demonstra, mais que tudo, esse pacto de Morales com a oposição.