O Estado de S. Paulo, n. 46455, 25/12/2020. Internacional, p. A7

 

Reino Unido e UE chegam a acordo comercial histórico para o pós-BREXIT

25/12/2020
 
 

Na véspera do Natal, premiê britânico e a presidente da Comissão Europeia anunciam pacto que coloca fim ao período de transição da saída dos britânicos, mais de quatro anos após decisão de deixar o bloco europeu; Boris Johnson vê vitória em termos negociados

LONDRES 

A União Europeia e o Reino Unido anunciaram ontem um acordo comercial sobre as relações pós-Brexit. Depois de meses de negociação, o acordo foi apresentado faltando apenas sete dias para o fim do período de transição definido após a saída dos britânicos do bloco europeu, em 31 de janeiro deste ano.

Selado o acordo, Downing Street, sede do governo britânico divulgou uma nota. "Tudo que os britânicos tiveram de promessas durante o referendo de 2016 e as eleições gerais do ano passado está entregue neste acordo. Retomamos o controle do nosso dinheiro, fronteiras, leis, comércio e pesca".

Os tabloides britânicos comemoraram antecipadamente o anúncio: "Há um acordo", anunciou o Daily Express; "Aleluia!", disse a manchete do Daily Mail; e "Acordo para o Natal", resumiu o Daily Mirror.

Segundo a nota do Reino Unido, o primeiro acordo comercial foi fechado com tarifa zero para as transações com países da UE. "O acordo também garante que não estamos mais presos às regras da UE. Isso significa que teremos total independência política e econômica a partir de 1.º de janeiro".

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reagiu imediatamente pelo Twitter. "Valeu a pena batalhar por esse acordo. Temos agora um acordo justo e balanceado com o Reino Unido. Vou proteger os interesses da UE, garantir uma competição justa e prover previsibilidade para nossas comunidades de pesca. A Europa agora vai seguir adiante". O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, também reagiu pelo Twitter: "O acordo está fechado".

Apesar do momento de euforia, analistas apontam que o pacto fica aquém do melhor acordo de livre comércio abrangente que Johnson certa vez prometeu. E a interrupção do comércio sem atrito de hoje é inevitável no momento em que o Reino Unido deixa o mercado único da UE e a união aduaneira em 1.º de janeiro. Mesmo assim, o pacto é bemvindo. Irá, ao menos, constituir uma base para a construção de novos acordos.

Em coletiva, Johnson, e Ursula von der Leyen, expuseram suas visões. O premiê britânico ressaltou o fato de o Reino Unido ter adquirido a capacidade irrestrita de redigir suas próprias leis. Von der Leyen sugeriu que a soberania era mais bem assegurada "reunindo forças e falando juntos em um mundo cheio de grandes potências".

A partir de 1.º de janeiro, quando acabar o período de transição de saída do Reino Unido, todas as regras sobre comércio, circulação de pessoas e negócios devem ser guiadas pelo acordo anunciado ontem. Agora, o texto será encaminhado para as 27 nações da UE que buscam aprovação unânime. Para isso, será necessária a aprovação dos parlamentos da UE e do Reino Unido.

O Parlamento Europeu já avisou ser tarde para aprovar algum texto antes de 1.º de janeiro, mas um termo provisório pode ser colocado em prática. O parlamento britânico foi convocado para votar no dia 30 de dezembro e a oposição afirmou que está a favor.

Pontos de imigração. Johnson explicou, por nota, que a questão migratória no Reino Unido passa a ser decidida pelas autoridades britânicas. "O sistema migratório nos coloca em total controle de quem entra e quem sai do Reino Unido."

A primeira-ministra da Escócia reagiu lembrando que os escoceses foram contrários ao Brexit. "Antes de a roda começar a girar, vale lembrar que o Brexit está acontecendo contra a vontade da Escócia. E não há acordo que compense o que o Brexit tirou de nós. É tempo de discutir nosso futuro como independentes, como nação europeia".

O esforço coletivo para se chegar a um acordo visava impedir um cenário caótico, no qual a imposição de tarifas e taxas custaria bilhões em comércio, centenas de milhares de empregos e, potencialmente, engarrafaria os portos. Essa possibilidade foi claramente ilustrada ao longo da semana, com um breve bloqueio francês de caminhões britânicos por causa de preocupações com o coronavírus levou ao caos.

Com o acordo, a UE perde seu principal poder militar e de inteligência, 15% do PIB.

Na contrapartida, sem a força coletiva da UE, o Reino Unido estará em grande parte sozinho – e muito mais dependente dos Estados Unidos – ao negociar com China, Rússia e Índia. Terá mais autonomia, mas sairá mais pobre, ao menos no curto prazo. /