O Globo, n. 32018, 05/04/2021, Mundo, p. 22

 

Scioli, o embaixador que coleciona vitórias em Brasília
Eliane Oliveira

Janaína Figueiredo

05/04/2021

 

 

Quando deixou Buenos Aires rumo a Brasília, há sete meses, o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, recebeu a missão de fazer com que Jair Bolsonaro passasse a amar o presidente de seu país, Alberto Fernández. Scioli não conseguiu que os dois desafetos se tornassem amigos, mas articulou uma videoconferência entre Bolsonaro e Fernández, no fim do ano passado, que o ajudou a abrir as portas dos gabinetes na capital brasileira. A partir daí, sua diplomacia passou a colecionar vitórias.

A trégua entre os dois mandatários foi selada em um jantar em novembro, na casa do embaixador, com a presença do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, e o secretário de Assuntos Estratégicos do Planalto, Flavio Rocha. Até então, Fernández e Bolsonaro não haviam trocado uma palavra. A declarada simpatia do argentino pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre incomodou o presidente brasileiro.

Os churrascos na residência de Scioli são famosos na cidade. Embaixadores do Mercosul, os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) e empresários dos dois países já estiveram lá, comendo e discutindo política e negócios.

A diplomacia que mantém com o Brasil, em suas palavras, é política, executiva e comercial. Em artigo no "Diário 26" de Buenos Aires, Scioli resumiu: "Cheguei ao Brasil há pouco mais de sete meses com dois objetivos claros: recompor o vínculo entre os governos e conseguir dólares a nosso país através do fomento às exportações".

Principal embaixador político de seu país, pela sua proximidade com Fernández e a vice-presidente Cristina Kirchner, Scioli fez forte lobby junto a autoridades brasileiras de alto escalão, incluindo Bolsonaro, para acabar com o embargo às exportações de camarões para o Brasil, fechado há mais de oito anos. A liberação vai render US$ 150 milhões por ano para os combalidos cofres da Argentina.

Há algumas semanas, em uma reunião que durou menos de duas horas com a ministra da Agricultura, resolveu 49 de 54 pendências comerciais que existiam há anos. Agora, um dos desafios é liberar o ingresso de uvas frescas argentinas no Brasil.

Aos 64 anos de idade, Scioli contraiu Covid-19 assim que desembarcou em Brasília. Com sintomas leves, recuperou-se bem. Pratica uma hora de atividades físicas todas as manhãs –o que, acredita, ajuda-o a preservar a imunidade alta. Nos fins de semana, gosta de correr de kart com Wagner, seu motorista.

Devido à pandemia, Scioli mistura atividades presenciais e virtuais. Tem videoconferências frequentes com empresários argentinos e brasileiros, para ajudar nos trâmites e aumentar os investimentos na Argentina. O embaixador já viajou a cada um dos dez consulados argentinos no país.

No mês passado esteve na Bahia, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, e em contato com autoridades e empresas com interesses na Argentina, como Whirlpool, Fiat e Beira Rio Calçados.

Depois de ter sido vicepresidente de Néstor Kirchner (2003-2007), o embaixador foi, por oito anos, governador da província de Buenos Aires e candidato à Presidência. Perdeu por menos de dois pontos percentuais em 2015, contra Mauricio Macri (20152019). Após o revés nas urnas, que implicou a primeira grande derrota eleitoral do kirchnerismo, Scioli foi deputado nacional. Com Macri no poder, sua carreira política deu uma estagnada e só voltou a decolar com a volta do peronismo à Casa Rosada.

Quando recebeu o convite para vir para o Brasil, hesitou. Mas foi convencido por amigos e aliados que o lembraram da experiência de outro peronista, José Manuel de la Sota, que chefiou a embaixada em Brasília entre 1990 e 1993. O posto foi, para De la Sota, um trampolim para cargos mais altos –inclusive uma candidatura presidencial.

Quem conhece bem Scioli, sabe que o embaixador está de passagem no Brasil e pretende aproveitar a oportunidade para ter visibilidade e recuperar fôlego. O embaixador não esconde suas ambições políticas e seu nome já foi cotado, recentemente, para assumir o comando da chancelaria, em caso de renúncia de Felipe Solá.