Correio Braziliense, n. 21.133, 04/04/2021. Brasil, p. 5

 

País carente de intensivistas

Bruna Lima

Maria Eduardo Cardim 

04/04/2021

 

 

Em meio ao colapso do sistema de saúde, um dos principais motivos para não se aumentar os leitos de UTIs é a falta de gente especializada. Brasil tem 7,2 mil médicos intensivistas; 40 mil seriam necessários. Para salvar vidas, recém-formados tentam preencher os gargalos

Com média diária de 66.176 infecções pelo novo coronavírus nos últimos sete dias, o Brasil vê as poucas vagas que surgem nas unidades de terapia intensiva (UTIs) serem ocupadas rapidamente por parte dos milhares de pacientes que aguardam nas filas de espera. A abertura de leitos resolve o problema até certo ponto. Preparar cama, respirador, equipamentos e medicamentos sem ter disponível uma equipe que lide com os recursos é o mesmo que ter todos os materiais para construir uma ponte, mas nenhum trabalhador para executar o serviço. Segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), para atender a demanda atual, o país precisaria ter entre cinco e seis vezes mais médicos intensivistas do que a quantidade atual.

A carência de médicos com a especialização já ocorria antes mesmo da pandemia da covid-19, mas ficou escancarada no cenário de guerra. A Amib calcula que o país necessitaria de mais 32.800 intensivistas para serem somados aos 7,2 mil que atendem pacientes em estado grave de saúde em todo o país. Na missão de salvar vidas, os médicos, juntamente com os demais profissionais da área que se dedicam à ala mais sensível dos hospitais, também estão à beira do colapso físico, mental e humano.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu, ontem, que houve falha ao não prever a preparação de recursos humanos, o que começará, segundo ele, ainda que de forma tardia, a priorizar. "Vamos procurar ampliar a oferta de bolsas para formar intensivistas no Brasil. É algo que deveria ter sido pensado lá atrás. Não foi. Mas não adianta ficar olhando para o passado. Vamos olhar para frente. Parar de fazer calor e fazer luz. Precisamos de luz para iluminar o caminho que nós temos para seguir em frente e apoiar a nossa população".
"À medida que mais e mais leitos são necessários, mais profissionais são demandados. Porém, como a oferta desse tipo de profissional é limitada, há, sim, uma escassez relativa", admite o coordenador do Pronto-Atendimento e da Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Carlos Rassi, que atende pacientes com o vírus em leitos de enfermaria e unidade de terapia intensiva.

Em alguns hospitais com falta de leitos, salas de cirurgias se transformaram em UTIs para ajudar com a alta demanda. A Amib afirmou, por meio de nota, que esta pode ser uma opção "exepcional", mas não é uma solução universal para a falta de leitos próprios para emergência. "A escassez de recursos humanos, de insumos farmacológicos e de material de apoio transcende à simplicidade da utilização dos centros cirúrgicos como terapia intensiva", diz a nota, que ressalta, mais uma vez, a preocupação com a quantidade de mão de obra especializada e necessária para tratar esses pacientes.

Rassi afirma que, além da falta de recursos humanos, o cansaço dos profissionais, que atuam desde o ano passado sob pressão, pode interferir na qualidade do trabalho (leia acima). Diante do gargalo, a inclusão de médicos recém-formados no quadro de funcionários das UTIs se faz necessária, ainda que não seja o ideal. "Ter profissionais capacitados, motivados, descansados e experientes faz toda a diferença", aponta o especialista.

Diante da realidade adversa, a médica recém-formada Amanda Costa, 23 anos, deixou os plantões na pediatria, em que assistia a vida começar, para travar uma batalha contra a covid-19 no intuito de fazer a vida continuar. Ela chega a trabalhar 90 horas semanais dentro de uma UTI, em uma rotina bastante diferente daquilo que planejava fazer nos primeiros meses após receber o diploma, em novembro. "Apesar de ser minha área de interesse mesmo antes de me formar, em tempos normais, o esperado é fazer uma residência. A demanda é outra, o recrutamento é intempestivo e a verdade é que se aprende enquanto trabalha", relata.

Com o diploma em mãos, Amanda tratou de se engajar na linha de frente, mas viu tudo mudar muito rápido. "Eu tinha começado na enfermaria. Mas a enfermaria virou UTI porque tudo virou intensivo. Então, são formadas equipes bem menos experientes. No meu caso, trabalho com intensivistas e tenho a quem recorrer para fazer um serviço bem amparado. Mas, por mais que a falta de preparo possa interferir na qualidade do atendimento, todo o reforço é pouco em meio a equipes exaustas que, a cada plantão, assistem mais 10, 20, 30 leitos que foram abertos".

Mesmo com tantos pacientes para cuidar, a rotina exaustiva é, ao mesmo tempo, solitária. "Nunca uma UTI foi tomada por 100% dos pacientes intubados. Minha mãe foi para a Bahia, até porque eu posso ser uma ameaça de infecção para ela. Nos resta os colegas de trabalho, com quem vivemos esse desafio, a dualidade de intubar mais do que extubar, mas sabendo que estamos nos empenhando ao máximo para salvar vidas e acumulando uma carga de experiência de forma muito rápida. Não há plantões calmos nesta pandemia".