O Globo, n. 32022, 09/04/2021, País, p. 4

 

Governo na mira

André de Souza

Julia Lindner

09/04/2021

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal( STF ), determinou ontem a instalação da CPI da Pandemia no Senado. A oposição conseguiu as assinaturas necessárias para que o colegiado funcionasse, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vinha resistindo a instalá-la. O objetivo da comissão é investigar se o governo Bolsonaro cometeu omissões no combate à pandemia do coronavírus. Pacheco anunciou que acatará a decisão, apesar de criticar o momento para a abertura da investigação parlamentar. O país registrou ontem 4.190 mortes provocadas pela doença.

Na sua decisão, Barroso afirmou que, como os requisitos para a criação da CPI foram cumpridos, haveria omissão do presidente do Senado ao protelar o início dos trabalhos. Para instalar uma comissão parlamentar de inquérito é preciso haver fato determinado a ser apurado, prazo de duração e apoio de 27 dos 81 senadores. O requerimento foi apresentado em fevereiro e reúne 31 assinaturas.

“Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da casa legislativa, e não de maioria. Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante”, diz a decisão.

Após a decisão de Barroso, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil está “sofrendo” e não precisa de “conflitos”.

— Aconteceram decisões, e vocês sabem qual é a minha opinião. Vamos tocar a vida. O Brasil está sofrendo demais e o que menos precisamos é de conflitos —afirmou Bolsonaro, em entrevista à “CNN Brasil”.

O presidente afirmou ainda que respeita a Constituição e, sem especificar a quem se referia, disse que “seria bom” se todos se comportassem da mesma forma:

—Respeito completamente a nossa Constituição. Não tem um pingo fora das quatro linhas da mesma. A população está cada vez mais se conscientizando, se interessa por política, debate, discute. Agora, seria bom se todo mundo jogasse dentro das quatro linhas.

Barroso destacou decisão tomada em 2005 pelo então ministro do STF Celso de Mello determinando que o Senado instalasse a CPI dos Bingos. Na época, apenas dois dos atuais integrantes do STF já compunham a Corte: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Ambos foram favoráveis à instalação da comissão.

Em outro ponto, Barroso destacou que “o que se discute é o direito das minorias parlamentares de fiscalizarem ações ou omissões do governo federal no enfrentamento da maior pandemia dos últimos cem anos, que já vitimou mais de 300 (trezentas) mil pessoas apenas no Brasil”.

De acordo com o ministro, “não parece haver dúvida, portanto, de que as circunstâncias envolvem não só a preservação da própria democracia — que tem como uma de suas maiores expressões o pluralismo político, manifestado pela convivência pacífica entre maiorias políticas e grupos minoritários —, mas também a proteção dos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros .”

Barroso tomou a decisão sozinho, sob justificativa de que o agravamento da crise sanitária requer urgência. Mas resolveu também submetê-lo a o referendo dos demais ministros e liberou o processo para julgamento no plenário virtual do STF, quando os demais integrantes da Corte vão poder votar por meio do sistema eletrônico. A análise vai começar na próxima sexta-feira e a previsão de término é no dia 23.

“PALANQUE POLÍTICO"

Pacheco anunciou que não vai aguardara decisão do pleno do STF e cumprirá a liminar. Mas reforçou que o momento é “inapropriado” para o funcionamento do colegiado e que isto pode representar “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia”. Pacheco também avaliou que a comissão será usada com fins eleitoreiros:

— Temos também o fato de que ela (CPI), por sua natureza, pelo mérito que ela vai tratar de fato, não se queira acreditar que a CPI vai substituir o papel do Ministério Público, da Polícia Federal, da Polícia Civil, da Controladoria-Geral da União. Poderá, sim, ter um papel de antecipação de discussão político-eleitoral de 2022, de palanque político, que é absolutamente inapropriado para o momento.

Ele afirmou ter adotado até agora um “juízo de conveniência e oportunidade” para não instalara investigação. Na visão do presidente do Senado, é preciso buscar a estabilidade política. Pacheco foi eleito para o comando do Senado com o apoio de Bolsonaro.

Pacheco disse que o requerimento será lido na semana que vem. Com o tempo necessário para os líderes indicarem os integrantes da comissão, senadores calculam que o funcionamento de fato não ocorrerá antes de o plenário do STF se posicionar.

A oposição comemorou a decisão de Barroso. “É lamentável que o Congresso dependa de uma decisão do Judiciário para garantir o direito da minoria”, afirmou, em nota, o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN).

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, criticou. “Se forem investigar omissões e desvios na pandemia, será uma vitória antecipada do presidente Jair Bolsonaro, que vai comprovar uma atuação responsável e íntegra. Vão atirar no que acham que viram e acertar no que não estão vendo”, disse, no Twitter.