O Globo, n. 32022, 09/04/2021, País, p. 5

 

Mudança na Lei de Segurança prevê punição para fake news

Paulo Cappelli

Melissa Duarte

09/04/2021

 

 

A reformulação da Lei de Segurança Nacional anunciada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), prevê o detalhamento de ações que criminalizem a disseminação de fake news e disparos em massa durante o período eleitoral. Também será discutida pena para criminosos que “atentarem contra as instituições democráticas” na tentativa de promover “interrupção do processo eleitoral”, seja por meio de incitações, fraudes ou ataques virtuais, como a atuação de hackers que invadiram o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado. Será avaliada, ainda, a criminalização da divulgação, em campanha, de material com “violência política”.

Segundo a relatora do texto na Câmara, deputada Margarete Coelho (PP-PI), o objetivo é “evitar o que ocorreu” na eleição do ex presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em 2016, e no plebiscito do Brexit, que oficializou a saída do Reino Unido da União Europeia em 2020 e também foi marcado por denúncias de divulgação de notícias falsas.

— Estamos bem focados na questão dos crimes contra funcionamento das instituições democráticas nas eleições. Para detalhar e criminalizar quem financia, constitui ou integra ação coordenada para disparo em massa de informações falsas e conteúdos criminosos que coloquem em risco a higidez do processo eleitoral — diz Margarete Coelho.

EM TRÊS CAPÍTULOS

De acordo com a parlamentar, como a Alemanha tem a “legislação mais avançada” sobre esses assuntos, a Câmara dos Deputados estudará os dispositivos já em vigor no país europeu.

— Fomos direto na fonte e traduzimos o dispositivo alemão. Mas ainda vamos promover debates e colher opiniões —ressaltou a deputada.

Em substituição à LSN, o novo texto dispõe de crimes contra o estado democrático de direito, divididos em três capítulos. O primeiro reúne crimes contra a soberania nacional, traição, atentado à integridade nacional e espionagem. Depois, é a vez dos crimes contra as instituições democráticas, golpe de Estado, conspiração, atentados físicos às autoridades e incitamento à guerra civil. Por último, há os crimes contra o funcionamento das instituições democráticas nas eleições, que incluiriam coibir o envio de disparos em massa, como houve no Brexit, a criação de Estados artificiais e a violência política de gênero.

Para Margarete Coelho, esse último “afasta um grande contingente de cidadãos do processo eleitoral”, além de representar um atentado à democracia:

— Essa possibilidade de se criar um ambiente tão hostil para as mulheres na política que termina por afastá la. (...) Não é “mimimi” mesmo. Basta que nós olhemos as charges, os memes, os discursos de ódio que são dirigidos às mulheres, como nos interrompem quando estamos discursando, como nos colocam à margem dos grandes projetos... — afirmou, no encerramento do seminário “A Lei de Segurança Nacional e sua aplicação após Constituição de 1988”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

A parlamentar também defendeu a urgência na tramitação e na aprovação, além de retirar o trecho que versa sobre terrorismo, já abarcado em nova legislação:

— A Lei de Segurança Nacional é o último resquício de um período de Guerra Fria, de um período autoritário, de um período em que civis poderiam ser submetidos à jurisdição militar.

DISPAROS EM MASSA EM 2018

Tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) duas ações que visam à cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão pelo disparo de mensagens em massa na campanha de 2018. Outras duas de igual teor foram arquivadas em fevereiro deste ano. Segundo a acusação, as mensagens disseminavam notícias falsas. Não há prazo para julgamento das ações pendentes.

No Congresso, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News também tomou depoimentos sobre o tema, mas a investigação foi paralisada em função da pandemia de Covid-19.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o inquérito das fake news tem como alvo parlamentares e apoiadores do presidente Bolsonaro. Neste caso, o foco são ataques à instituição, mas as quebras de sigilo determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes também compreendem o período eleitoral.

“A Lei de Segurança Nacional é o último resquício de um período autoritário” 

Margarete Coelho, relatora da revisão da LSN